sexta-feira, 16 de abril de 2010




A modelo da capa de revista

* Por Urariano Mota

A coluna de hoje fala sobre Vanessa de Freitas Jorge, mais conhecida por Malana, modelo brasileira. Malana é negra, elegante, linda e simples como não se vê em uma só modelo.

Nem é preciso lembrar para ela antecedentes ilustres como a bela Dorotéia, de quem Baudelaire dizia que caminhava balançando com indolência o torso tão fino sobre as ancas tão largas, com a cabeça delicada e perna resplandecente e soberba. Não. Para a Malana que vi e ouvi na Festa Literária de Porto de Galinhas, a moldura mais recente é o contexto das modelos que aparecem em capas de revistas.

Em pesquisa banal, em qualquer banca, saltam aos olhos os cabelos louros, longos, finos e clichosos, encontrados em 95% das capas. Não importa o nome da revista: Marie Claire Brasil, Nova, Claudia, Criativa, Elle ou Vogue Brasil. Caberia até uma pergunta: por que as capas preferem as louras? E responder: as não-louras que nos perdoem, mas em todas as capas ser loura é fundamental. Mas minto. Há uma capa em que a modelo tem a pele menos clara, na Marie Claire de novembro de 2004. Olho bem e percebo a coerência entre a fêmea e o título da reportagem: trata-se de Emanuela de Paula para a reportagem “safári selvagem”...

A julgar pelas capas, vivemos num país nórdico. Do frio mais glacial no céu azul. É impressionante como um valor que fere tanto a autoestima brasileira, a beleza de ver e de se ver e não negar a própria cara, ainda resista aos novos tempos que têm Lula como modelo de homem brasileiro. Vanessa de Freitas Jorge, Malana, um de nossos melhores rostos, não é uma anti-Gisele Bündchen. Não vem ao caso, aqui, opor pessoas à grande Bündchen, coitada, que não tem culpa de ter nascido no Brasil. Mas se Gisele tivesse a sua negação, numa forma nacional, Malana seria essa pessoa.

Na variedade de modelos nacionais o tom e a cor gerais são do gênero branco, de origem e preferência alemã. Creiam, na frase anterior não houve ironia, me parece, ainda que tenha usado palavras antônimas na história e civilização brasileira. Paciência. Que os agentes da moda, os olheiros, os bookers descobridores de novas modelos sejam limitados e incultos, com os olhos voltados para o passado, até que entendemos. Que os agentes não descubram a beleza nas ruas, nos ônibus, nos subúrbios, porque sempre vão aos lugares de melhor renda, e por isso não veem nem podem ver alguém como Malana, que aos 13 anos entregava folhetos nos semáforos, isso também compreendemos. É natural. Os olhos têm névoas de preconceito e de classe.

Em uma entrevista para a revista Brasileiros, à pergunta de Alex Solnik, “Você já ouviu bookers dizerem, 'ah, não quero negra e tal', tem esse lance?”, Malana assim respondeu:
“Na verdade, pra ser uma modelo você deveria ser boa, independente da cor da pele, do jeito do cabelo, cor de olho e etc., mas infelizmente não acontece exatamente isso. Se você não estiver dentro do padrão exigido, das medidas exigidas, lógico que isso dificulta bastante. Ser negra é mais difícil ainda porque a moda aqui no Brasil se espelha muito na moda europeia, naquela coisinha da pele clara, sabe? Dizem que a roupa cresce mais do que numa pele um pouco mais escura. Então, se conclui que o negro tem um desvalor, um valor menor no mercado do que a pessoa de pele branca, um pouco mais clara”.

Essa é a razão porque, ao passar em uma banca de revistas, ninguém consegue não ver uma face negra, entre tantas claras, brancas, louras e nórdicas. A negra, entre a neve tropical, se destaca. Porque todas as revistas nacionais, melhor dizendo, no Brasil, para ser mais preciso, quando dizem e buscam beleza feminina para a capa, querem apenas dizer, vamos divulgar um rosto que não lembre as ruas sujas, feias e sem educação deste país. Ah, o que perdem. Perdem as Malanas do Rio e de São Paulo, perdem as Brunets de Belém e de Manaus, perdem as rebentações do Recife, perdem todos, que nem sempre recebem uma beleza negra como esta da capa: http://www.revistabrasileiros.com.br/imagens/29/20090707133824_29_capa_375.jpg

Parodiando Baudelaire, dizemos enfim: entorpecido, o mundo esmorece molemente nas capas, enquanto Malana, altiva e forte como o Sol, caminha nas bancas desertas de Brasil, único ser vivo nesta hora sob o imenso azul, pondo sobre a luz uma brilhante mancha negra.

* Jornalista e escritor

5 comentários:

  1. O reconhecimento do negro no Brasil
    ainda caminha a passos lentos.
    Fiz um conto onde enalteço a beleza de
    uma negra, pois é só neles, que vejo essa beleza transcendente.
    Mas sejamos otimistas, já foi bem pior.
    Ótimo texto Urariano.
    Beijos

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  2. Vou transcrever nos "Vários Cantos". E depois do "ótimo" de Nubia, que posso acrescentar? Outro sinônimo.
    Recentemente falei de Aníbal Fernandes, para lembrar os tempos quando o Diário de Pernambuco era favorável às greves. A polícia de Agamenon, da ditadura Vargas, era contra, e fichou Aníbal como pederasta. Coisa que ele não era.

    Uma vez pegou o texto de um foca, e disse: - O senhor não pode entrevistar Deus. Nem falar Dele. O foquinha caiu na besteira de perguntar por quê. A responsta veio curta, e vale como uma lição para todos os jornalistas: - O senhor usou todos os adjetivos.

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  3. Grato, Núbia, pela gentileza do exagero.
    Grato, Talis, poeta ao mesmo tempo perto de mim (ele no Recife, eu em Olinda) e tão longe.
    As tuas saborosas histórias sobre os jornais, como essa do grande Aníbal Fernandes, exigem um livro.
    Abraço.

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  4. Urariano

    O que noto é que o preconceito é tão grande que domina inclusive os próprios negros, que quase sempre só escolhem para casar parceiros (as) loiras...
    Estou cansada de viver em um país que rejeita suas origens, que só gosta de loiras.
    Linda crônica.
    Abraços

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  5. O curioso é que quando alguém diz que uma negra é bonita, parece estar fazendo um favor, e não raro, dizem : bonita, apesar de negra. Ou assim: é negra, mas tem traços de branca; ou ainda, tem nariz afilado. Brasileira que quer sofrer, enfrenta a leitura de revista de moda, pois o comparativo é cruel. Daí a predominância de cabelos amarelos e chapeados.
    Destaco: "clichosos".
    Vou adotar.

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