segunda-feira, 19 de abril de 2010




Catarse

* Por Aliene Coutinho

Todos os fins de tarde era a mesma coisa. Ela sentava-se à beira do lago, num velho píer abandonado e deixava de ser. Limpava os pensamentos, despia-se de si mesma. E ficava só consigo mesma. Nesses momentos ela sentia-se completa. Nada lhe incomodava. Não havia tristeza, nem alegria. Nem confusão, nem paz. Era um nada absoluto que a fazia sentir-se única. Fortalecia-se naquela solidão.

Olhava o horizonte sem medo. Nada existia além dela. Pelo menos ali. O ritual que cumpria religiosamente, mesmo em dias de chuva, lhe dava a certeza que existia e que estaria pronta para o que viesse ao anoitecer e no dia seguinte. Encarar-se de tal forma dava-lhe segurança para desatar qualquer nó, pular qualquer obstáculo.

Aprendera desde cedo que os piores inimigos estavam dentro de cada um. Seres invisíveis que habitam almas acorrentadas. Seres que durante toda vida tentam emergir, mas escondem-se por medo e insegurança de mostrarem-se como são verdadeiramente. Ela os conhecia e os dominava mesmo que por alguns minutos naqueles pores de sol. Até o último raio de luz ela era ela. Uma ilha cercada de gente por todos os lados. Sem pontes, inatingível. Pronta para viver. Ninguém a conhecia melhor que ela. Ninguém se olhava e se reconhecia como ela. Ninguém.

* Jornalista e professora de Telejornalismo

3 comentários:

  1. Esses encontros só com a gente.
    Esse olhar adiante, onde somente
    nós podemos ir...não é fuga, é
    resgate.
    Belo texto Aliene.
    Abraços

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  2. Lindo Aliene!
    Destaco: " Limpava os pensamentos, despia-se de si mesma. E ficava só consigo mesma."
    Esse isolamento, com tal atitude de limpeza de alma, vale mais do que mil sessões de psicanálise. Não as dispenso, mas como terapeutica complementar, esse passeio no lago, em busca do auto-conhecimento, tem um poder educativo grande demais.

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  3. Aliene,
    Para a alma sensível, que tudo percebe, entende, nada melhor do que a solidão, esse encontro com a própria alma, e aí surgem as indagações, respostas e o entender de tudo.
    Texto que nos faz refletir e... Parabéns!
    Abraço. Paulo.

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