segunda-feira, 18 de janeiro de 2010


Também gostaria

Caríssimos leitores, boa tarde.
A leitora Margarida Chaves reclama que voltei a ser sisudo e ranzinza nos três últimos editoriais. Observou que prefere quando faço textos leves e soltos, de preferência poéticos, já que de tragédia ela já está farta. Argumenta que rádios, jornais e televisão trazem, a toda hora, o dia inteiro, todos os dias do ano, notícias e mais notícias sobre desastres naturais, violência, corrupção, malandragens de toda a sorte e, enfim, o que há de pior na natureza humana.
Entendo sua aflição, Margarida. Também aborrecem-me, e muito, loucuras, sofrimentos, safadezas, mortes, dor e perdas de toda a sorte de tantos recursos materiais e de tanta gente. Mas, o que fazer? A realidade é que é assim. Se um espelho nos mostra imagens horrendas, o que temos que fazer? Quebrá-lo? Não vai resolver. A melhor providência é colocar à sua frente coisas belas e sublimes, para que ele as reflita. A culpa, claro, não é do espelho.
Você nem imagina o quanto gostaria de escrever, apenas, sobre amenidades. Como gostaria de tratar só de beleza e transcendência! Que prazer que não me daria redigir, todas as tardes, neste espaço, apenas poesia, encantamento, frases de amor e de exortação. Todavia, Margarida, não posso.
Tenho um compromisso com a sociedade e comigo próprio, na condição tanto de jornalista, quanto de escritor, de testemunhar a realidade do meu tempo. Compete-me escrever com verdade, objetividade e isenção.
Mas caso me cale diante do sofrimento de tanta gente, face a tamanha violência (e não apenas a física, mas a psicológica e social, que são mais sutis, porém até mais perversas), estarei sendo omisso. E não conheço delito maior contra nossa espécie do que o da omissão.
Alguns textos meus incomodam, sim, pela crueza. Mas é necessário incomodar os acomodados, caso se pretenda mudar a realidade para melhor. Afinal, é impossível curar qualquer doença sem que antes a identifiquemos e façamos um diagnóstico completo e exato. Não será tapando os olhos diante do perigo, achando que, se não o virmos, ele não existirá, que nos livraremos dele e escaparemos incólumes. Agindo assim, estaremos, claro, mais expostos ainda a ele. E, pior, não teremos defesa.
Ah, minha querida leitora, como gostaria de trazer até vocês, todos os dias, apenas textos agradáveis, sensíveis e poéticos! Como gostaria que o mundo fosse diferente, que todas as pessoas fossem solidárias, que o mal em todas as suas formas fosse suprimido do Planeta e que este fosse regido exclusivamente pelo amor. Juro que gostaria!
Mas, para que essa suave utopia se concretizasse (e ouso dizer que é impossível de se concretizar) seria necessária ação, muita ação. E mesmo assim... Não é segredo para ninguém que é por causa da omissão dos bons que os maus se prevalecem e tomam conta da Terra. .
Ninguém (a menos que seja sadomasoquista e se compraza na dor, própria ou alheia) noticia as coisas ruins – as tragédias como o terremoto do Haiti, os deslizamentos de terra em Angra dos Reis, a queda da ponte no Rio Grande do Sul, as enchentes que devastaram Cunha e São Luiz do Paraitinga e outras tantas desgraças e horrores – por prazer. Informa, porque aconteceram. Esse é o nosso papel de comunicadores.
É verdade que às vezes exageramos na dose. Não que carreguemos nas tintas, isso sequer seria preciso. Contudo, muitas vezes esquecermos da contrapartida. Enfatizamos as ações de bandidos sanguinários e cruéis, que ganham notoriedade na imprensa, e nos esquecemos dos heróis do cotidiano, que asseguram certa normalidade à vida comunitária.
Destacamos, por exemplo, a luta renhida por comida dos flagelados haitianos, em que os mais fracos acabam penalizados (como sempre), mas pouco falamos dos médicos de várias partes do Brasil que se ofereceram como voluntários e embarcaram para o Haiti, sabendo que nada irão ganhar com isso (provavelmente sequer um muito obrigado), apenas por um genuíno sentimento humanitário, para cumprirem de fato sua sublime missão de salvar vidas e minorar sofrimentos.
Provavelmente, nosso maior pecado seja este. Seja o de não dar maior importância, na hora de estabelecer a hierarquia de notícias no planejamento das edições, ao lado positivo, nobre e solidário do homem. Mas, querida Margarida, que eu gostarias só de escrever coisas belas, poéticas e sensíveis, ah, não tenha dúvidas. Como gostaria!

Boa leitura.

O Editor



Um comentário:

  1. Gostei muito, Pedro. Eu estava lendo o seu texto e me lembrando de Manuel Bandeira:

    "NOVA POÉTICA


    Vou lançar a teoria do poeta sórdido.

    Poeta sórdido:

    Aquele em cuja poesia há a marca suja da vida.

    Vai um sujeito,

    Sai um sujeito de casa com a roupa de brim branco muito bem engomada, e na primeira esquina passa um caminhão,

    salpica-lhe o paletó ou a calça de uma nódoa de lama:

    É a vida.

    O poema deve ser como a nódoa no brim:

    Fazer o leitor satisfeito de si dar o desespero.

    Sei que a poesia é também orvalho

    Mas este fica para as menininhas, as estrelas alfas, as virgens cem por cento e as amadas que envelheceram sem maldade."

    Abraço fraterno

    ResponderExcluir