segunda-feira, 30 de novembro de 2009


Leia nesta edição:

Editorial – Método de leitura?

Coluna Sensibilidade e sutilezas – Aliene Coutinho, crônica “A cara de Brasília”

Coluna Pessoas e histórias – Eduardo Murta, conto “Um bilhete a Pasárgada”

Coluna A vida como ela é – Celamar Maione, conto “Surpresa de esposa”.

Coluna Pássaros da mesma gaiola – Daniel Santos, crônica “Sem calço”.

Coluna Porta Aberta – Mara Narciso, crônica, “Aprender a caminhar, e desta vez ao ar livre”.

Obs.: Se você for amante de Literatura, gostar de escrever, estiver à procura de um espaço para mostrar seus textos e quiser participar deste espaço, encaminhe-nos suas produções (crônicas, poemas, contos, ensaios etc.). O endereço do editor do Literário é: pedrojbk@gmail.com. As portas sempre estarão abertas para a sua participação.

Método de leitura

Prezados freqüentadores do nosso Literário, boa tarde.
O leitor Paulo Quintanilha, em e-mail que me enviou, observa que ando muito mal-humorado de uns dias para cá. Engano seu, caríssimo. Meu humor continua como sempre foi, ou seja, ótimo. Sou, contudo, enfático em demasia no que escrevo e, principalmente, apaixonado, no sentido lato do termo.
Talvez exagere um pouco na minha ênfase, mas quem me acompanha, na internet e principalmente na mídia impressa há algum tempo, sabe que sou assim e até se diverte quando me manifesto, digamos, de forma um pouco mais incisiva.
Paulo me pergunta se há algum método especial de leitura, para que se possa aproveitar bem o conteúdo dos livros lidos. Claro que o amável leitor se refere àqueles de que fato o têm. Muitos, não passam de enjoativo bla-bla-blá, embora, não raro, apresentem capas atrativas e títulos pomposos.
Não gosto de ditar regras para ninguém. Mesmo sem fazê-lo, meus adversários gratuitos já me acusam de assumir postura de “dono da verdade”, pretensão que nunca tive. Este é um defeito, porém, que não me pode ser imputado e incluído na vasta série dos que de fato possuo.
Mas já que você pediu, e para não dizerem que tenho má vontade com os leitores (o que nunca tive e nunca terei), vou lhe revelar como procedo para extrair o melhor de cada livro. Por favor, não ria, é sério.
Nunca leio obra alguma sem ter uma agenda, destinada exclusivamente a anotações literárias, à mão. Antigamente, eu fazia fichas de leitura, por sugestão do meu inesquecível professor de Português dos tempos de antigo ginásio, Moisés Prates. O método que sigo agora é mais ou menos o mesmo.
Primeiro, anoto, na agenda, os dados essenciais da obra a ser lida, para facilitar posterior consulta, como o título, autor, tradutor (caso se trate de livro estrangeiro traduzido), edição, ano, editora e cidade. O segundo passo é anotar tudo o que me chame a atenção, capítulo a capítulo. Antigamente, eu grifava isso no próprio livro. Hoje, paro a leitura e copio os trechos que considero úteis, anotando, entre parênteses, o capítulo e a página.
É verdade que esse procedimento torna a leitura mais lenta e menos fluente. Isso, no entanto, é proposital, e permite que eu detecte as nuances das colocações do autor, que de outra forma, certamente escapariam. É, sobretudo, manifestação de respeito à inteligência e criatividade de quem escreveu. Ou seja, não me limito a ler um livro, estudo-o, gostando dele ou detestando-o.
Reservo duas horas diárias à leitura (roubadas do meu sono, evidentemente), seja qual dia for, faça chuva ou faça sol, esteja ou não exausto ao cabo de um dia de trabalho ou de uma jornada de lazer. É um hábito que desenvolvi desde criança e que, creio, jamais abandonarei.
A Literatura, ademais, jamais me cansa. Mesmo que me caia em mãos algum livro que não me agrade, nunca considero que ler implique em eventual “perda de tempo”. Sempre é possível aprender alguma coisa seja com qual obra for. No caso de má literatura, por exemplo, na pior das hipóteses, aprendo a como evitar de escrever com impropriedade ou incorreção.
Está vendo, amigo? Meu método de leitura provavelmente não irá ajudá-lo em nada. Aliás, nem asseguro que seja o melhor (e claro, também não o acho o pior). É, todavia, a maneira que utilizo para colher o pólen das preciosidades literárias que me caem nas mãos e, por isso, só posso falar dela e de nenhuma outra.
Aproveito o ensejo para agradecer-lhe a gentileza do contato e colocar o nosso espaço à sua disposição para publicar suas produções literárias (pois percebi, por seu e-mail, que você tem talento, interesse e sabe se expressar com correção).

Boa leitura.

O Editor.



A cara de Brasília...

* Por Aliene Coutinho

Prestes a virar uma cinquentona Brasília tem histórias e muitos personagens. Nem todos são famosos nacionalmente, nunca apareceram nas redes televisivas ou foram manchetes de jornais, mas são conhecidos onde vivem, ou circulam. Fazem parte do dia a dia da cidade, são a cara da capital que já foi manchada tantas vezes com figuras que vieram para cá temporariamente e trouxeram na bagagem o oportunismo de estar ao lado ou dentro do poder.

A cidade pulsa. Tem vida. A maioria dos mais de dois milhões de habitantes criou raízes, teve filhos e netos. Hoje quase metade dos moradores nasceu aqui. É brasiliense. Para quem não sabe candango é quem veio construir a capital. Severina Régis é filha de candango. Veio para Brasília do Rio de Janeiro em 1964. Chegou, diz ela, mocinha. Foi na cidade que a adotou que conheceu o marido e teve filhos. Quem mora na cidade ou já veio visitá-la deve ter a visto.

Dona Severina, ou tia Severina como todos a chamam, há 25 anos vende saches nos bares do Plano Piloto. Com uma cesta cheia deles, a simpática velhinha de pouco mais de 1,50m, e presumo uns 70 anos, percorre as mesas oferecendo as bonequinhas com cheiro de sabonete que lembram enfeites de penteadeiras da vovó.

Sempre que saio para tomar uma cerveja esbarro com ela. Não tem como resistir. “São apenas cinco reais, moça!” E lá vai mais uma para coleção que espalho em minhas gavetas. E de grão em grão, ela ajuda no sustento da casa e compra remédios para a filha que está na fila do transplante de rim. E nem pensem que ela usa essa história para sensibilizar o cliente. Nada disso. Dona Severina apenas vende saches e distribui sorriso e simpatia. Foi futucando a vida alheia, no caso a dela, é que soube os detalhes de sua peregrinação pelas noites brasilienses.

É uma figura a Dona Severina! Está sempre de cara boa, mesmo para quem não compra. Outro dia me contou que uns universitários a filmaram. Ficou toda feliz e orgulhosa. Era um vídeo sobre Brasília e ela nem sabia que fazia parte da história dessa cidade que ela enche o peito para dizer que é maravilhosa e que a ajudou muito. Ela que vive assim de bar em bar brinda a capital com um copo de guaraná, agradece e sai. “Tenho de ir filha. A noite hoje está bonita e só começando”.

* Jornalista e professora de Telejornalismo



Um bilhete a Pasárgada

* Por Eduardo Murta

S
oubesse, Fernando certamente não teria viajado. Porque aquilo contrariava todo seu receituário de vida: dar com o imponderável. Logo ele, um racional com pós-graduação em pragmatismo e cético a ponto de crer que só era mesmo real aquilo que pudesse ser tocado. Estava a meio caminho de ser posto à prova.

Havia mesclado livros de física quântica, leis tributárias e, tentando variar, um Manuel Bandeira à bagagem. O inverno das serras mineiras lhe esperava. Reservas feitas um ano antes, roteiros já definidos, embarcou. Veio o primeiro sinal de descompasso: atraso de voo, perda de conexão. O segundo: um quarto fora dos padrões prometidos pela pousada. Por fim, um terceiro: queda de energia e banho forçosamente gelado.

Três dias, e Fernando, doutrinado em regras rígidas de limpeza, flagrara os vestígios de novo incômodo: bicho de pé!!! Definitivamente, excluiria aquela viagem de suas aventuras inesquecíveis. Pensando bem, a morena em leitura na varanda talvez pudesse reenquadrar sua sorte. Bela, cabelos alongados. Estudou a aproximação. Notou a ausência de aliança, como nele. E a mirada atenta às páginas de um velho e nobre conhecido, Shakespeare.

Estava ali a senha para a incursão com ares de casualidade. Repassou o script, planejando uma conversa informal, uma troca de impressões, um convite para o vinho, o jantar... Foi que ela julgou-lhe ensaiado em demasia, careta para além da conta, aborrecidamente previsível. E disse não! Espanto para o executivo que tinha séquito de pretendentes a seus pés.

Juntou os cacos da decepção e se recolheu. Naquela noite, por impulso, abriu mão dos tratados científicos, da liturgia técnica, e pela primeira vez mergulhou em Bandeira. Meio que em busca de um porto. Foi tateando as letras, até dar com significados transformadores em “Vou-me embora pra Pasárgada”. Perscrutou à volta, porque, jurava, aquilo (“lá sou amigo do rei... a existência é uma aventura... é outra civilização... montarei em burro brabo... tomarei banhos de mar... aqui eu não sou feliz...”) tinha sido feito para ele.

Achava que era a síntese de todas as provações a que fora submetido naquela sequência que soava infernal. Daí reagiu como se houvera sido apresentado à pólvora naquele instante. Todos seus sentidos entrando em curto-circuito. Programou peregrinações à caça do poeta, e duvidou dos que atestavam sua morte, num distante 1968.

Se não o autor, alguém que lhe respondesse em que ponto da terra se escondia a tal Pasárgada, que mapa algum desvendava. Interpretou como simplória a afirmação de que não se tratava de um lugar, mas de um estado de espírito. Demasiadamente vago. Experimentou terapia, sexo tântrico. Incursionou pela ioga, ácido lisérgico, jejum e promessas. Nenhuma pista. Amigos já o vislumbrando com bambeza no cérebro.

Mais ainda quando decidiu publicar nos jornais e difundir na internet generosa recompensa a quem desnudasse o mistério. E ao financiar pesquisas acadêmicas nessa linha. Foi que, naquela quarta, desbandeirou por inteiro. Aboliu o terno. Largou carro em casa, seguiu de ônibus. Parou no centrão. Encomendou caldo de cana e pastéis na lanchonete vizinha à rodoviária. Se preparava para comer, e deu com a mão estendida. Enrugada, quase pálida. Mãe e três meninos pedindo. Esquálidos. Pensou em enxotar, exigir sossego. Mas condoeu-se. Cedeu a refeição. E naqueles seis olhos agora brilhando, Fernando viu, enfim enxergou. Neles havia Pasárgada. E como havia.

* Jornalista, autor de "Tantas Histórias. Pessoas Tantas", livro lançado em maio de 2006, que reúne 50 crônicas selecionadas publicadas na imprensa. É secretário de Redação do jornal Hoje em Dia, diário de Belo Horizonte. Já teve passagens também pelos jornais Diário de Minas e Estado de Minas, além de Folha de S.Paulo e revista Veja. É um dos colunistas do Hoje em Dia (www.hojeemdia.com.br), onde publica às quartas-feiras.




Surpresa de esposa

* Por Celamar Maione


Três da madrugada. Subiu as escadas cambaleando. O hálito de cerveja o incomodava. O estômago apertava. A cabeça girava. Antes de entrar em casa, pegou uma bala de hortelã e colocou na boca. Procurou a chave no bolso da calça. Nada. Procurou no bolso do paletó. Ouviu um barulhinho.Finalmente. Pegou e rodou a chave na fechadura, devagar, para não fazer barulho.

O Poodle da vizinha latiu. Deu um pulo para trás. Prometera a Elvira nunca mais chegar tarde. Ela o ameaçara. Terminaria o casamento se acontecesse de novo. Não queria trair a esposa. Mas não resistiu. Tinha a cabeça mole demais. As mulheres eram seu ponto fraco. Elas o provocavam. Tinha imã. Atraía mulheres de todos os tipos e idade. A loira era linda. Um fenômeno. Acenou com o olhar enquanto atravessavam a Avenida Rio Branco. Os bicos dos seios endurecidos na blusa transparente lhe deram vertigem. Quase morre atropelado. Ela o puxou para a calçada antes que o ônibus o deixasse no asfalto . Estavam embriagados de tesão.

Fez o convite. Beberam e gargalharam como velhos conhecidos. Terminaram a noite num motel ordinário no Centro da Cidade. Quase três da manhã lembrou-se de Elvira. O coração acelerou. Deixou a loira perto de casa. Fingiu que anotou o telefone no celular. O aparelho estava desligado.

Abriu a porta. Colocou os pés na sala com o coração acelerado. Deu um pulo. A luz do abajur clareou o rosto de Elvira. A esposa estava com os olhos trepidando de ódio. Um sorriso de mulher mofada na boca pequena. A cadeira de balanço rangia. Nas mãos, ela segurava uma arma. Lambia os beiços. Passional. Desgovernada. Num gesto de desespero, tentou desarmá-la. Só que, enquanto ele saía com as outras, ela treinava pontaria. Um tiro no coração. Sem barulho . Eficaz.

Com pose de vilã de filme de bang-bang, saiu da cadeira, chutou o corpo com cara de nojo, cuspiu no rosto do morto, colocou a arma dentro da mala, trancou a casa e desceu as escadas em silêncio. Na calçada, um Monza 89 esperava-a com os faróis ligados. Na direção, uma mulher com o cabelo pintado de duas cores fazia sinal . Entrou no carro. Olharam-se cheias de cumplicidade. A motorista partiu apressada. Elvira respirou aliviada. Missão cumprida.

*Radialista e jornalista, trabalhou como produtora, repórter e redatora nas Rádios Fm O DIA, Tropical e Rádio Globo. Foi Produtora-Executiva da Rádio Tupi. Lecionou Telemarketing, atendimento ao público e comportamento do Operador , mas sua paixão é escrever, notadamente poesias e contos.




Sem calço

* Por Daniel Santos

Na maioria, homens. Homens de todas as idades e procedências. E também mulheres, estas mais raras. Todos coxos, manquejavam com esperto talento para merecer piedade alheia – uma acusação de longa data.

Ou não era bem assim? Porque, afinal, muitos deles socorriam os necessitados, se bem sempre mancando; segundo os detratores, para acentuarem o pessoal martírio. Reiteravam, assim, a publicidade de si.

No entanto, longe de observadores, moviam-se normalmente e, poucos sabiam, com certo alívio por escaparem do mundo da eficiência. Não conseguiam ou não queriam seguir junto; daí, o pé atrás. Ou torto.

Criaturas sem calço, amargavam geral menosprezo que evoluía a insultos, espancamentos até! Mas não reagiam, que tal lhes reforçava a condição submissa e, incrível parecesse, conseguiam tirar volúpia à dor.

Reunidos agora no mesmo pavilhão, caminham lado a lado sem tropeços, solidários entre si. Espie alguém pela fresta, voltam a manquejar. Nada infringiram, mas pedem clemência e, se conseguem, ganham o dia.

* Jornalista carioca. Trabalhou como repórter e redator nas sucursais de "O Estado de São Paulo" e da "Folha de São Paulo", no Rio de Janeiro, além de "O Globo". Publicou "A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e "Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para obras em fase de conclusão, em 2001.




Aprender a caminhar, e desta vez ao ar livre

* Por Mara Narciso

O trio de homens vem em minha direção. O rapaz, de uns vinte anos, se tanto, está na cadeira de rodas. Outro rapaz, um pouco mais velho do que o primeiro, está logo atrás. Quem empurra a cadeira é um homem de uns 50 anos. Todos os três têm a pele morena e estão suados pelo esforço e pelo sol forte, de nove da manhã. Estão na avenida próxima ao Parque Guimarães Rosa. Ao lado da pista, as árvores estão protegidas pela grade verde, que forma uma cerca alta. Em poucos anos, longe das agressões humanas, a vegetação modifica-se, os arbustos crescem, tornam-se árvores, e o mato cumpre o seu papel de multiplicar-se e transformar o aglomerado de vegetais num bosque urbano.

A primeira vez que vi os três homens não entendi o que se passava. Mesmo assim, já percebo que o homem mais velho demonstra cuidado com o rapaz. O cansaço de ambos é visível, mas os olhos do mais velho são de esperança e coragem. Durante a minha caminhada matinal, o ritual do encontro com os três torna-se uma expectativa. De longe, mal os avisto, procuro prestar atenção nos gestos e ações de cada um. Eu passo por eles depois da metade do caminho, ou seja, a segunda metade da trilha percorrida. Só então vim a entender o trabalho que faziam.

Os homens passam por mim sempre da mesma maneira: o mais velho empurrando a cadeira, um dos rapazes sentado nela e o outro caminhando ao lado. Dia após dia, os vejo passando por mim, indo para os exercícios matinais. Compreendi se tratar de funcionário, pai e filho, na difícil busca de voltar a caminhar.

Num dia, a surpresa: o rapaz da cadeira está de pé, amparado pelo homem. Penso na origem do problema. Teria sido um acidente? Ou ainda uma doença? Não há por que perguntar, apenas admirar a convicção e o empenho daquele pai, a força que mostra em cada gesto, em cada momento da jornada. A expressão feliz que manifesta, emociona. E ainda, o jeito comprometido do rapaz, consciente da sua melhora, que, dentro da sua exaustão, esboça um sorriso de vitória.

A manhã chega e os três já saem andando. Após parte do percurso, o rapaz em recuperação, extenuado pelo esforço, pede para se sentar, e termina de chegar em casa na cadeira, após atravessar parte do bairro. No começo não, mas logo a melhora motora é perceptível, pois, após metade do caminho, ainda o pego de pé, deslocando-se quase sem o amparo do pai.

A cada dia vejo o rapaz rompendo maior pedaço da avenida. Lá vem ele, alto, magro, encostado ao pai, que é um palmo menor que ele. Não só os braços, mas também os seus olhos buscam segurar-se no incentivo desse pai devoto, e assim, executa cada passo. Vou acompanhando o seu progresso, e a força desse homem, que se segura nele, e o motiva, enquanto o técnico em enfermagem empurra a cadeira vazia, bem próxima, por medida de segurança.

O filho passa o braço por sobre o ombro paterno, e num esforço, a cada dia menor, caminha pela avenida com seu fiel protetor. Torço por eles, principalmente quando vejo a energia prestes a esgotar-se, pois algumas vezes o rapaz manifesta desequilíbrio. Tudo chama a atenção nessas pessoas, especialmente o empenho do pai, estampado em cada gesto de fé, que ele não consegue esconder. Dá para notar a vibração dele, ao passar. Parece dizer: “meu filho está andando!” Olho em seus olhos, quando cruza por mim, e até parece completar: “logo meu filho fará o percurso sem ajuda”. Vejo que já está acontecendo.

As sequelas neurológicas podem não ser poucas, e a barreira maior somos nós mesmos quem a colocamos. Quando a meta é baixa, ficamos em níveis inferiores, quando o alvo está acima, voos altos alçamos.

* Médica, acadêmica do sétimo período de Jornalismo e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”.

domingo, 29 de novembro de 2009


Leia nesta edição:

Editorial – Gosto do leitor

Coluna Ladeira da Memória – Pedro J. Bondaczuk, crônica “Custoso aprendizado”.

Coluna Direto do Arquivo – Luiz Antonio Giron, trecho de romance “O crítico imaginário”.

Coluna Porta Aberta – Zuca Sardan, poema “Imprevidência”

Coluna Clássicos – Rabindranath Tagore, poema “Pergunta”.

Coluna Estante – Livros mais vendidos

Obs.: Se você for amante de Literatura, gostar de escrever, estiver à procura de um espaço para mostrar seus textos e quiser participar deste espaço, encaminhe-nos suas produções (crônicas, poemas, contos, ensaios etc.). O endereço do editor do Literário é: pedrojbk@gmail.com. As portas sempre estarão abertas para a sua participação.

Gosto do leitor

Caríssimo leitor, boa tarde. Que primavera mais maluca é esta, de 2009! Esta estação tem se caracterizado por seca na Amazônia, redundando em absurda mortandade de peixes, contrastando com os dilúvios turbulentos no Sul e com a instabilidade do tempo no Sudeste. Mas não é bem este o assunto que me proponho a tratar neste domingão de decisões no futebol, com a realização da penúltima rodada deste atípico Campeonato Brasileiro da Série A.
É possível a um escritor detectar o gosto da maioria dos leitores? E, vou mais longe em minha indagação: caso a resposta seja afirmativa, é válido que ele se deixe pautar por essa preferência, de olho, apenas, nas possíveis vendas da sua produção?
Quanto à primeira pergunta, entendo que podemos ter uma idéia aproximada do que o leitor gosta de ler. Contudo, certeza, certeza mesmo, não acredito que possamos ter. Sequer sabemos quantos e quem são esses leitores. Não há estatísticas confiáveis a respeito. E o único recurso que nos resta é o utilizadíssimo, mas sempre furado “chutômetro”.
Mesmo que soubéssemos das preferências desse personagem central e decisivo da nossa atividade (o que não sabemos), entendo que estas não deveriam, nunca, nos servir de parâmetro, e muito menos de pauta, para não nivelarmos o mundo das letras e da cultura por baixo. O livro não é, e nem pode ser tratado, como mera mercadoria, dessas vendidas em supermercados, ou em balcões de armazéns de secos e molhados, embora inúmeras editoras estejam agindo assim, de olho exclusivamente no faturamento.
Há aquelas cujo departamento de marketing é ativíssimo e cujas obras literárias selecionadas para publicação recebem, antes, o crivo e o aval desse setor, além do mesmíssimo tratamento que receberiam uma geladeira, um fogão ou um microondas qualquer. Claro que não podemos remar a vida toda contra a maré. Não podemos deixar todo o espaço editorial disponível à mercê, apenas, dos que fazem da literatura (ou pelo menos tratam-na assim) como mero ramo de comércio.
Quando recomendo ao escritor que se mobilize e divulgue, o quanto puder, suas idéias, portanto, não estou pensando em cifrões, em recordes de venda ou em outras coisas do gênero, para mim triviais e secundárias. Não raro, não são nem isso. Até porque, como bem lembrou o Daniel Santos em comentário a um dos meus editoriais, nosso papel não é o de mascates a venderem produtos banais de porta em porta. Somos a mente e a alma de um povo. Somos os legítimos guardiões do idioma e das artes.
A divulgação se faz necessária, mas para pelo menos tentarmos “moldar” o gosto dos leitores, que sequer sabemos quem são, onde vivem e quantos são. Trata-se de um empenho para nivelar a cultura, sim, mas por cima. É impossível? Não sei! Mesmo que seja, somos Dons Quixotes contemporâneos por excelência e não nos cansamos de lutar contra moinhos da burrice e do mau-gosto.
Leio, todas as semanas, e pesquiso cuidadosamente, para publicar na coluna Estante, a relação dos livros mais vendidos no País. Dá para extrair, por ela, a média do gosto do leitor? Entendo que, de uma parcela (da que tem poder aquisitivo para comprar), sim. E, embora não me sinta habilitado a arbitrar o gosto de ninguém, o que detecto me decepciona e preocupa.
Com todo respeito aos atuais campeoníssimos de vendas, como Dan Brown, Stephenie Meyer, William Young e L. J. Smith, entre outros, as preferências do público consumidor de livros, balizadas pela propaganda, são deprimentes e desanimadoras. E a influência do marketing fica mais clara ainda se atentarmos para o fato de que astros e estrelas da TV, que se aventurem a publicar suas “reflexões” (mereceriam este nome?), num piscar de olhos se transformam em best-sellers, em detrimento dos verdadeiros escritores.
Que proveito estas “abobrinhas” vão trazer para a vida do cidadão que deixa importâncias consideráveis no caixa das livrarias? Acredito que nenhum. Fico mais preocupado ainda quando não vejo, nas relações dos mais vendidos, nenhum livro de poesias, ou de ensaios, ou do que considero autêntica e genuína literatura.
Reitero que não tenho o direito (e, mesmo se tivesse, não aceitaria a tarefa) de arbitrar o gosto de ninguém. Mas, a julgar pelas escassas e precárias formas de aferição disponíveis, que este não é dos mais refinados (e uso essa expressão apenas para ser educado), isso não é mesmo. Sei que estas colocações tendem a me tornar “persona non grata” para muitos editores. Azar deles!

Boa leitura.

O Editor.



Custoso aprendizado

* Por Pedro J. Bondaczuk

A leitura não consiste, como muito tolo desavisado ainda pensa, em meramente juntar letras para formar sílabas, palavras, sentenças, orações, períodos, capítulos e livros enfim. É um processo muito mais complexo do que isso, que implica no pleno entendimento do que se lê. O Brasil convive com essa tragédia (para nós, que sobrevivemos da produção de textos e, claro, para as próprias pessoas que estão nessas condições) que é o chamado “analfabetismo funcional”.

A porcentagem de analfabetos puros, que já chegou a ser de 98%, felizmente foi reduzida para 7%. Não é o ideal, óbvio, que seria a alfabetização universal, ou seja, que não houvesse um único brasileiro que não soubesse ler e nem escrever, mas é inegável que a situação melhorou muito nesse aspecto. Agora, é preciso atacar este outro problema que é de mais difícil solução.

Afinal de contas, o que vem a ser o “analfabeto funcional”? Esclareça-se que o conceito varia de país para país. Na Polônia e no Canadá, por exemplo, são classificadas como tal as pessoas que têm escolaridade inferior a oito anos. No Brasil, está nesta condição quem não completou o ensino fundamental, ou seja, os quatro primeiros anos de estudo formal.

E são muitos? Muitíssimos!!! Chegam (pasmem) a 75% das pessoas entre os 15 e os 64 anos. Ou seja, apenas 1 em cada 4 brasileiros consegue ler, escrever e utilizar essas habilidades para continuar estudando. É muito pouco, pouquíssimo, não é verdade? O mais grave é que nesse contingente estão incluídas muitas pessoas com diploma. E estas não admitem, e se você lhes disser corre o risco até de ser agredido, que são analfabetas, posto que funcionais. Mas são!

Como fazer com que alguém evolua se sequer admite a necessidade desse tipo de evolução? Para que fique claro o conceito, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) define analfabeto funcional como toda pessoa que sabe escrever o próprio nome, assim como lê e escreve frases simples, efetua cálculos básicos, mas é incapaz de interpretar (e de entender, portanto) o que lê.

Determinada escola particular paulista (que prefiro não identificar, por não haver sido autorizado a tal), constatou que oitenta por cento dos alunos que haviam se matriculado na 1ª série do colegial eram incapazes de entender sequer as instruções contidas num desses tantos manuais que acompanham os vários aparelhos eletrônicos vendidos no comércio. É verdade que os textos destes não são nenhum primor de clareza. Mas a cifra é elevadíssima para quem estudou nove anos (isso se não repetiu nenhuma vez) e, pelo visto, não aprendeu praticamente nada.

Como esperar que essas pessoas entendam complexos conceitos expostos pelos grandes pensadores? Certamente, não entendem. O pior é quando se metem a opinar sobre questões das quais não têm a menor noção. E são inúmeros os que opinam, sem nenhum fundamento.

Infelizmente, muita gente que passa por erudita, com vários títulos acadêmicos e diplomas de pós-graduação, têm nível baixíssimo de compreensão do que lê. Muitos (muitíssimos) não conseguem redigir um texto simples, de apenas uma página, em que se expressem pelo menos com coerência. Não estou considerando, sequer, a correção da linguagem.

Não raro, passamos uma vida toda lendo compulsivamente e, no entanto, não aprendemos a ler. Somos incapazes, por exemplo, de captar sutilezas nos textos dos bons autores. Não interpretamos, como eles pretendiam, a fina ironia que utilizaram. Não captamos o que ficou, apenas, inteligentemente nas entrelinhas.

Um dos maiores gênios da literatura mundial, o alemão Johann Wolfgang von Goethe, escreveu a esse respeito: “Muitos não sabem quanto tempo e fadiga custa a aprender a ler. Trabalhei nisso 80 anos e não posso dizer que o tenha conseguido”. E isso foi escrito por um dos escritores mais completos, mais sábios e mais argutos que já existiram.

Ler, apenas por ler, não basta. É indispensável que a leitura seja acompanhada de estudo, de reflexão, de comparações e de extrapolações. “Mas isso dá muito trabalho”, dirão os acomodados. Todavia, se não agirmos assim, poderemos viver uma centena de anos, dedicar oitenta deles à leitura, ler dez mil livros ou mais e, ainda assim, seremos, no fundo, no fundo, analfabetos funcionais, posto que eruditos.

*Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos) e “Cronos & Narciso” (crônicas), com lançamentos previstos para os próximos dois meses. Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com




O Crítico Imaginário

(Melodrama serial)

* Por Luís Antonio Giron

I

A tarde despencava fervura pela rua mal coberta de pedras, alguns escravos acomodando o piso com marretas de madeira e o tum-tum-tum ritmado ecoando na ladeira. Leopoldo Gonçalves balança a cabeça com um muxoxo ao ler a carta acompanhada com a edição de 2 de janeiro de 1852, em letras góticas, do Der Beobachter am Mathiasstrom inaugurando a imprensa em Colônia Dona Francisca. Seu primo Wilfred Hans Zitter irritava-o desde criança, com seus pequenos dentes de rato declamando Fausto aos apenas sete anos. Que gênio e que asno, maldito cabeça de batata, resmungou. O dia terminaria como um completo fracasso não fosse a decisão que tomava ali, repentinamente assombrado pela inveja do primo bufão e pela certeza de que não assumiria o armarinho ensebado do pai, com mais percevejos que clientes e em dívidas com fornecedores de além-mar. Além de tudo, acabava de passar por Joana, que ontem suspirava em uis e ais profundíssimos nos depósitos da Casa M.M. Gonçalves e hoje recebia, nada contrariada, a corte de seu prometido em visita à capital.

Em seus 23 anos, concluía que nunca desejara algo com tamanha intensidade. Ao cruzar o portão de casa arrancando a camisa limpa do varal para recompor-se do verão especialmente úmido, que convertia Porto Alegre em uma pequena versão do Purgatório dantesco, havia decidido seu destino: Leopoldo Gonçalves, ou Honesto Iago, seu codinome entre as chinas carinhosas dos baixios, tornar-se-ia o maior crítico do Império. Mais tarde, ao apresentar-se como voluntário para o editor e único funcionário do jornal A Feira, pasquim publicado sem a devida regularidade naquela Província de São Pedro, impressionou-o pela convicção e fluência.

Honesto Iago começava a esboçar-se em traços autóctones e tomava forma e espírito para nunca mais dissociar-se de Leopoldo ou de seus contemporâneos, a história e a vida daqueles dias tinham agora um observador atento e um apreciador implacável. "Um esteta", diriam alguns; "farsa completa", acusariam outros poucos. O certo é que sua fama começaria já no primeiro texto, despretensioso comentário de vinte e poucas linhas inserido por engano na capa do jornal, na edição semanal de terça-feira, 15 de janeiro de 1852.

Apesar de tudo, o título não deixava dúvidas e avisava aos incautos: "O rei estava nu". Por inocência ou simplicidade, Leopoldo conheceria já na estréia o sabor agridoce da polêmica. O texto, escrito na véspera, em horas de insônia pela responsabilidade assumida sem o respaldo da experiência, começava assim: "Flanávamos pela rua da Praia na tarde de sábado quando nos deparamos com uma das donzelas mais formosas desta capital. Seu porte altivo e as olheiras profundas sulcadas no rosto alvo nos remetiam a Dame aux Camélias de Dumas Filho, cujo romance hoje faz furor, vertido ao palco cênico parisiense. Pois essa versão subtropical da hetaira do Boulevard de Saint Honoré nos olhou com grande enlevo, como a desnudar-nos com a paixão romântica mais desenfreada. "O senhor doutorzinho poderia iniciar finalmente os folhetins que prometeu", ordenou-nos a Duplessis guasca. Eis que nos sentimos como a majestade imperial subitamente nua em pleno boulevard, para a diversão da plebe. Como conseguiríamos tratar de assunto tão leve, tão sedutor como o olhar da moça, sem incorrer no pior dos pecados, o da acídia, que assalta a todos que se devotam à prática do folhetim teatral? A moça pressurosa como que nos suplicava a ação imediata. E como não se deve negar nada ao adorável sexo, prontamente vi-me no imperativo categórico de assumir a férula do censor tanto do teatro lírico e dramático como do circo e suas infinitas ramificações: cavalinhos, pulgas, clowns e, por que não?, dramalhões de casaca e os bailes de quadrilha que continuam a aformosear a mocidade dos pagos. Queremos, portanto, comunicar ao Respeitável Leitor de A Feira que assinaremos o canhenho do folhetim teatral, a ser estampado no rodapé do nosso semanário, que sai sempre às terças-feiras. Julgo-me pressionado e pouco preparado para o ofício. No entanto, não me recusarei a assumir a tarefa. Nossa bela cidade já possui recreio e charivari suficientes para preencher o espaço dos folhetins e deleitar a leitora da cidade e dos campos. Ensaiaremos fornecer motivo para o convívio social das donzelas e damas provincianas, bem como aos farroupilhas arrependidos que se espalham por este verdadeiro Continente de São Pedro adentro. O rei está nu, mas promete ir à ópera sem perder a majestade! Honesto Iago".

Destarte, o engano revelou-se fundador para a carreira nascente do folhetinista. Era questão de esperar a oportunidade para deitar tinta e imaginação. A cândida Porto Alegre, de fato, quase não possuía espetáculos suficientes para tal empreitada. Viu-se assim o nosso Honesto Iago na embaraçosa situação de precisar inventar bailes, óperas, mágicas e dramas,preenchendo o espaço do rodapé e o topo das cabecinhas mais imaginosas da urbe.

Para Leopoldo, o embaraço afigurava-se como oportunidade de ouro. Comporia nas páginas de jornal a vida artística que não existia em torno de si. Noticiaria eventos invisíveis, jamais pensados pela mente humana, causaria frisson nos leões e donzelas de toda a Província, até porque A Feira circulava em rincões mais remotos, como Jaguarão, Pelotas e São Borja – e chegava sob a espécie de correspondência num jornal cortesão de prestígio como O Guasca na Corte.

O intrépido Leopoldo embarafustou pela casa dos pais, não deu atenção à mãe, dona Adelaide, e à irmã mais velha, Carolina Leopoldina, e enxaviou-se no quarto. Febril, apanhou pena e papel, debruçou-se na escrivaninha alta (gostava de escrever de pé, como Alfred de Musset) e respirou fundo, como a evocar os trinados das divas, os saltos dos insetos, o torvelinho dos cavalos brancos em tropel. Iria recriar o mundo. E ele estava repleto de bosta.

(Continua)

*Jornalista, atuante em São Paulo desde 1982. Autor de sete livros, entre romances, ensaios e contos, sendo cinco já publicados e mais dois no prelo. Prepara, para breve, mais um lançamento: “Ópera Nacional, um sonho em vernáculo” (ensaio da história cultural).




Imprevidência

* Por Zuca Sardan

Bem houvéssemos
preservado os Cromagnons!...
Teríamos de novo
reserva de mão-de-obra robusta!...
e bem baratinha.

* Poeta e desenhista



Pergunta

* Por Rabindranath Tagore

Deus, mais uma vez ao longo dos temposenviaste mensageiros
para este impiedoso mundo:
Eles disseram, “Perdoa a todos”, e disseram, “Ama o próximo –
liberta o seu coração do mal”.
Eles são venerados e lembrados,
embora nestes obscuros dias
os mandemos embora com insensíveis cumprimentos,
para fora de nossas casas.
E entretanto vejo dissimulados ódios
assassinando os desamparados sob a capa da noite;
e a justiça a chorar silenciosamente, furtivamente,
o abuso do poder,
sem esperança de redenção.
Vejo jovens a trabalhar freneticamente,
aflitos, batendo com a cabeça na pedra, inutilmente.

Hoje a minha voz calou-se;
não tenho música na minha flauta;
a negra noite sem lua
encarcerou o meu mundo, mergulhando-o num pesadelo.
e é por isso que, com lágrimas nos olhos, pergunto:
a esses que envenenaram o teu ar,
a esses que apagaram a tua luz,
será que lhes perdoaste? Será que os amas?

(“In Poesia”, tradução José Agostinho Baptista).



Livros mais vendidos

(Semana de 25 de novembro a 2 de dezembro de 2009)

Fonte: Revista Veja

FICÇÃO

1. O símbolo perdido – Dan Brown – [ 0 1] – SEXTANTE
2. A Cabana – William Young [ 1 64] SEXTANTE
3. Lua Nova – Stephenie Meyer [ 3 59] INTRÍNSECA
4. Amanhecer – Stephenie Meyer – [ 2 22] – INTRÍNSECA
5. Eclipse – Stephenie Meyer [ 4 45] INTRÍNSECA
6. Crepúsculo – Stephenie Meyer [ 5 78#] INTRÍNSECA
7. Diários do vampiro II – O confronto – L. J. Smith – [ 6 3] – RECORD
8. A hospedeira – Stephenie Meyer – [ 8 5#] – INTRÍNSECA
9. Caim – José Saramago – [ 7 5] – COMPANHIA DAS LETRAS
10. Diários do vampiro 1 – O despertar – L. J. Smith – [ 9 12] – RECORD
11. O vendedor de sonhos – Augusto Cury – ACADEMIA DA INTELIGÊNCIA
12. O menino de pijama listrado – John Boyne – COMPANHIA DAS LETRAS
13. A maldição do Titã – Rick Riordan – INTRÍNSECA
14. Marcada – P. C. Cast e Kristin Cast – NOVO SÉCULO
15. Traída – P. C. Cast e Kristin Cast – NOVO SÉCULO
16. Para sempre – Alyson Noel – INTRÍNSECA
17. Os homens que não amavam as mulheres – Stieg Larsson – COMPANHIA DAS LETRAS
18. O seminarista – Rubem Fonseca – AGIR
19. O ladrão de raios – Rick Riordan – INTRÍNSECA
20. O pequeno príncipe – Antoine de Saint-Exupéry – AGIR

NÃO- FICÇÃO

1. Comer, rezar, amar – Elizabeth Gilbert [ 3 86] OBJETIVA
2. Mentes perigosas – Ana Beatriz Barbosa Silva [ 2 53#] FONTANAR
3. Mais você – 10 anos – Ana Maria Braga – [ 8 3] – GLOBO
4. Honoráveis bandidos – Palmério Dória – [ 1 9] – GERAÇÃO
5. Lua nova – Guia oficial ilustrado do filme – Mark Cotta Vaz – [ 0 1] - INTRÍNSECA
6. Nunca antes na história deste país – Marcelo Tas – [ 4 2] – PANDA BOOKS
7. O andar do bêbado – Leonard Mlodinow – [ 5 14#] – JORGE ZAHAR
8. Chico Buarque – Histórias de Canções – Wagner Homem – [ 6 6] – LEVA BRASIL
9. Mentes inquietas – Ana Beatriz Barbosa Silva – [ 9 33#] – FONTANAR
10. Uma breve história do mundo – Geoffrey Blainey [ 10 96] - FUNDAMENTO
11. Minha fama de mau – Erasmo Carlos – OBJETIVA
12. Guinness World Records 2010 – Vários autores – EDIOURO
13. Super Freakonomics – Steven Levitt e Stephen Dubner – CAMPUS/ELSEVIER
14. Marley e eu – John Grogan – PRESTÍGIO
15. Padre Cícero – Lira Neto – COMPANHIA DAS LETRAS
16. Jornal Nacional – modo de fazer – William Bonner – GLOBO
17. Crepúsculo – Livro de anotações da diretora – Catherine Hardwicke – INTRÍNSECA
18. Ayrton Senna – Uma lenda a toda velocidade – Christopher Hilton – GLOBAL
19. 1808 – Laurentino Gomes – PLANETA
20. 1001 dias que abalaram o mundo – Michael Wood e Peter Furtado – SEXTANTE

AUTO-AJUDA E ESOTERISMO

1 Por que os homens amam as mulheres poderosas? – Sherry Argov – [ 1 17#] SEXTANTE
2. O Monge e o Executivo – James Hunter – [ 4 249#] – SEXTANTE
3. Mais tempo, mais dinheiro – Gustavo Cerbasi e Christian Barbosa – [ 9 11#] – THOMAS NELSON BRASIL
4. O Código da Inteligência – Augusto Cury [ 3 54] – THOMAS NELSON BRASIL
5. A arte da guerra – Sun Tzu – [ 7 76#] – VÁRIAS EDITORAS
6. Encontre Deus na cabana – Randal D. Rauser – [5 14#] – PLANETA
7. A coragem de confiar – Roberto Shinyashiki – [ 4 6#] – GENTE
8. Nunca desista de seus sonhos – Augusto Cury – [ 0 201#] – SEXTANTE
9. Os segredos da mente milionária – T. Harv Eker – [ 0 106#] – SEXTANTE
10. Quem Me Roubou de Mim? – Fábio de Melo [ 6 53] CANÇÃO NOVA
11. Casais inteligentes enriquecem juntos – Gustavo Cerbasi – GENTE
12. A atriz – Mônica de Castro – VIDA & CONSCIÊNCIA
13. Quem pensa enriquece – Napoleon Hill – FUNDAMENTO
14. Cartas entre amigos – Fábio de Melo e Gabriel Chalita – EDIOURO
15. Vencendo o passado – Zibia Gasparetto – VIDA E CONSCIÊNCIA
16. Corações sem destino – Eliana Machado Coelho – LUMEN EDITORIAL
17. A cabeça de Steve Jobs – Leander Kahney – AGIR
18. A estratégia do oceano azul – W. Cham Kim e Reneé Mauborgne – CAMPUS/ELSEVER
19. O poder do agora – Eckhart Tole – SEXTANTE
20. O desafio de amar – Alex Kendrick e Stephen Kendrick – BV FILMS

[AB#] – A] posição do livro na semana anterior
B] há quantas semanas o livro aparece na lista
#] semanas não consecutivas

Fontes: Balneário Camboriú: Livrarias Catarinense; Belém: Laselva; Belo Horizonte: Laselva, Leitura; Betim: Leitura; Blumenau: Livrarias Catarinense; Brasília: Cultura, Fnac, Laselva, Leitura, Nobel, Saraiva, Siciliano; Campinas: Cultura, Fnac, Laselva, Siciliano; Campo Grande: Leitura; Caxias do Sul: Siciliano; Curitiba: Fnac, Laselva, Livrarias Curitiba, Saraiva, Siciliano; Florianópolis: Laselva, Livrarias Catarinense, Siciliano; Fortaleza: Laselva, Siciliano; Foz do Iguaçu: Laselva; Goiânia: Leitura, Saraiva, Siciliano; Governador Valadares: Leitura; Ipatinga: Leitura; João Pessoa: Siciliano; Joinville: Livrarias Curitiba; Juiz de Fora: Leitura; Jundiaí: Siciliano; Londrina: Livrarias Porto; Maceió: Laselva; Mogi das Cruzes: Siciliano; Mossoró: Siciliano; Natal: Siciliano; Navegantes: Laselva; Niterói: Siciliano; Petrópolis: Nobel; Piracicaba: Nobel; Porto Alegre: Fnac, Cultura, Livrarias Porto, Saraiva, Siciliano; Recife: Cultura, Laselva, Saraiva; Ribeirão Preto: Paraler, Siciliano; Rio Claro: Siciliano; Rio de Janeiro: Argumento, Fnac, Laselva, Saraiva, Siciliano, Travessa; Salvador: Saraiva, Siciliano; Santa Bárbara d'Oeste: Nobel; Santo André: Siciliano; Santos: Siciliano; São José dos Campos: Siciliano; São Paulo: Cultura, Fnac, Laselva, Livrarias Curitiba, Livraria da Vila, Martins Fontes, Nobel, Saraiva, Siciliano; São Vicente: Siciliano; Sorocaba: Siciliano; Uberlândia: Siciliano; Vila Velha: Siciliano; Vitória: Laselva, Leitura, Siciliano; internet: Cultura, Fnac, Laselva, Leitura, Nobel, Saraiva, Siciliano

sábado, 28 de novembro de 2009


Leia nesta edição:

Editorial – Unindo o útil ao agradável..

Coluna Direto do Arquivo – Leandro Barbieri, peça teatral “Classe média divorciada”.

Coluna Clássicos – Sully Prudhomme, poema “As lembranças”.

Coluna Porta Aberta – Zélia Bora, poema, “Simplesmente eu...”

Coluna Porta Aberta – João Alexandre Sartorelli, poema, “Ouço a brisa e as estrelas”

Coluna Porta Aberta – Vivaldo Terres, poema, “Ao encontrar-te”

Obs.: Se você for amante de Literatura, gostar de escrever, estiver à procura de um espaço para mostrar seus textos e quiser participar deste espaço, encaminhe-nos suas produções (crônicas, poemas, contos, ensaios etc.). O endereço do editor do Literário é: pedrojbk@gmail.com. As portas sempre estarão abertas para a sua participação.

Unindo o útil ao agradável

Caro leitor, boa tarde.
Existe pouca coisa no mundo, para o escritor, que seja mais chata do que a necessidade de justificar o que escreve. Aliás, essa chatice é extensiva a todas as atividades. Perde-se um tempo imenso, e precioso, com justificativas, que não trazem qualquer proveito a ninguém. Para quem escreve, isso se torna ainda mais penoso e aborrecido.
A Literatura é, no que diz respeito à produção, atividade rigorosamente solitária. É feita por uma única pessoa e exclusivamente por ela. Nos momentos de apuro, não tem a quem recorrer. Ou tem “garrafa para vender” ou corre o risco de resvalar para o ridículo. Ele é que tem que “policiar” o que escreve. A ele compete não cometer erros de conceito e muito menos de grafia, de gramática etc.
Por mais que tentemos estabelecer diálogo com o leitor, nossos textos findarão por ser, sempre, sempre e sempre, meros monólogos. Nunca saberemos se o que escrevemos será interpretado exatamente como queremos. Aliás, raramente o é. É um risco que teremos que correr.
Escrever é, mais ou menos, o que o escritor Cesare Pavese concluiu acerca da poesia. Ele afirmou, certa ocasião: “Fazer poesia é como fazer amor: nunca se saberá se a própria alegria é compartilhada”. Redigir qualquer texto literário é mais ou menos assim também.
Quando aceitei a tarefa de redigir estes editoriais diários, por solicitação de vários amigos, que sugeriram que o Literário ganhasse conformação de revista eletrônica, minha intenção inicial era a de fazer destas considerações mero bate-papo diário entre companheiros que exercem e amam a mesma atividade. Ou seja, era para ser conversa descontraída, como as que temos uma vez ou outra num botequim qualquer, regada, muitas vezes, a cerveja ou a uísque, dependendo do gosto e, principalmente do bolso de cada um. Não visava, pois, me aprofundar em nenhum tema específico, até por falta de tempo para a devida pesquisa.
Lá um certo dia, entretanto, tive a infeliz idéia de tentar unir “o útil ao agradável”, pelo menos na minha ótica pessoal. Cismei de abordar assuntos que julgava seriam de grande valia notadamente para os aspirantes a escritores, já que sabia da alta freqüência de estudantes de Letras e de Jornalismo no Literário.
Foi a pior besteira que cometi. Antes me limitasse ao bla-bla-blá vazio e sem conteúdo, como a infinidade que há internet afora, embora “bonitinho” de se ler, valendo-me do mesmo artifício de que muito pseudoliterato se vale. Ou seja, do que costumo classificar de “pirotecnia verbal”. De textos muito bem escritos, sonoros, atraentes, mas absolutamente sem conteúdo.
Prevaleceu, todavia, meu lado de professor, que nunca me abandonou. Sem tempo para pesquisa, baseado, apenas, na experiência pessoal e na memória (que amigos exagerados classificam de “prodigiosa”), meti-me a abordar os mais variados aspectos dessa complexa e decepcionante atividade, da qual sobrevivo, tendo o cuidado de não deixar de comentar nada.
Ora, por mais que haja coisas a escrever sobre Literatura, o tema não é inesgotável (nada é). Mesmo que tivesse tempo para pesquisa (o que, reitero, não tenho), chegaria um momento em que, fatalmente, precisaria me repetir. Para que vocês tenham uma idéia das minhas dificuldades para ser minimamente original (e para que?!), informo que apenas de março para cá, já redigi mais de 240 editoriais. Impressos, eles perfazem por volta de 700 páginas!!!
Apontem-me quem consegue a façanha de escrever tudo isso, e reitero, sem tempo para pesquisar e baseado exclusivamente na memória, sem se tornar, em dado momento, repetitivo! Em que lugar vocês já viram isso? Quem foi o autor de tamanha (e hoje sinto que inútil) empreitada e, ainda mais, tendo que, volta e meia, se explicar?
Continuarei, pois, fazendo como faço ao escrever um conto, um poema, um romance ou uma crônica. Fare tudoi da minha maneira, como e quando quiser. E como acontece em relação aos meus livros, aqui, também, me submeterei ao veredito implacável do leitor. Mas sem me explicar de novo, por nenhum motivo, a quem quer que seja.

Boa leitura.

O Editor.



Classe média divorciada

* Por Leandro Barbieri


Estava ouvindo Carmem de Bizet. Concentrado no sofá, deixava-se levar por cada verso. Ela entra e desliga o som.

JÚLIO- Porquê você fez isso?
MARLY- Detesto quando você escuta ópera nesse volume. Preferia seus tempos de roqueiro.
JÚLIO- Você detestava quando eu ouvia Pink Floid nesse volume.
MARLY- Qualquer música que você escute nesse volume eu vou detestar.
JÚLIO- Eu preciso te falar uma coisa.
MARLY- Fala...
JÚLIO- Desse jeito não dá mais para continuar.
MARLY- Eu também acho... Mas você tem outra idéia?
JÚLIO- Não, você sabe que não.
MARLY- Permanecer na mesma casa é a única forma de nos mantermos em um teto decente... Temos que aprender a conviver como dois colegas.
JÚLIO- É difícil. Eu sinto como se ainda fossemos casados...
MARLY- Com o tempo você acostuma.
JÚLIO- Marly, faz 5 anos que nós nos separamos...
MARLY- Júlio... Não tem outra forma... Classe média é isso... Rico pode se separar porque tem muito pra dividir... Pobre pode se separar porque não tem nada mesmo... Mas classe média não pode arriscar...
JÚLIO- Talvez se você namorasse caras mais ricos...
MARLY- Porque você não namora mulheres mais ricas?
JÚLIO- Porque as mais ricas são também as mais exigentes e nunca entenderiam que eu, mesmo separado, moro com minha ex-mulher.
MARLY- Agente podia inventar que somos irmãos.
JÚLIO- Não gosto de mentira.
MARLY- Eu também não. Por isso que me separei de você.
JÚLIO- Eu prometi pra mim mesmo que não discuto mais isso.
MARLY- Claro, você sabe que estava errado...
JÚLIO- Viu só? É justamente disso que eu estou falando. Nós já estamos separados, já
trepamos com outras pessoas, mas mesmo assim ainda discutimos nossa relação. Que eu me lembre essa era a pior parte do nosso casamento.
MARLY- A pior parte do nosso casamento eram as suas mentiras.
JÚLIO- Eu prometi pra mim mesmo que não discuto mais isso.
MARLY- Claro, você sabe que estava errado...

Toca o telefone. Ela atende.

MARLY- Alô... Oi amor... Sei... Não, tudo bem... Claro meu bem... Entendo... Claro que
entendo.. Tá bom... Beijinho... Tchau...
JÚLIO- Ele desmarcou de novo?
MARLY- (Melancólica) É...
JÚLIO- (Consolando) Senta aqui... Você vai encontrar alguém...
MARLY- Até agora eu só atraí problema...
JÚLIO- Uma hora as coisas se ajeitam. Você vai encontrar alguém que te dê atenção, que te dê carinho...
MARLY- ...que não minta pra mim...
JÚLIO- Eu prometi pra mim mesmo que não discuto mais isso.
MARLY- Claro, você sabe que estava errado...

*Roteirista, diretor e pesquisador de Telenovelas Brasileiras. Assina o roteiro de Umas & Outras, primeira novela interativa da internet. No espaço Literário do Comunique-se, resgata a estrutura do Folhetim Francês, embrião da telenovela de hoje.



As lembranças

* Por Sully Prudhomme

Das velhas impressões da infância a idéia grata
perdura-nos fiel, volvam embora os anos;
em vão do nosso abril as flores sofrem danos,
a imagem delas fica indelével, exata.

Ao contrário, ai de nós! – ninguém conserva intacta
a memória, apesar de esforços sobreumanos,
das novas emoções, efêmeros enganos,
cujo traço se apaga apenas se retrata.

Como esperto escansão que no banquete a taça
entretém sempre cheia, a cada vez que passa,
passa o tempo e nos enche a memória também.

A lembrança mais nova é a gota derradeira,
que ao choque mais sutil, transborda e cai; porém
no fundo permanece a primitiva – inteira.

(Tradução de Augusto de Lima).




Simplesmente eu...

* Por Zélia Bora

Gostaria de nada desejar esta noite a não ser
O sono dos inocentes,
repousar minha cabeça cansada sobre um
travesseiro quieto.
Não sonharia, porque os sonhos projetam nossos
desejos fatigados
pelas perdas e ganhos.
Dormiria e acordaria sem alegria,
sem tristeza
e sem saudade,
enquanto o momento seria um leve
reconhecimento do que chamamos vida.
E, se eu desejasse algo,
lembraria, repentinamente, quem sabe,teus olhos;
depois, tocaria meu lençol de flores miúdas de
um verão imaginário,
dormiria feliz e, pela manhã,
o sol brilharia lá fora e desafiaria inerte minha tola
existência.

* Zélia Bora tem doutorado em Estudos Portugueses e Brasileiros, pela Brown University, USA e atualmente é professora de Literatura Brasileira da Universidade Federal da Paraíba –UFPb.

Ouço a brisa e as estrelas

* Por João Alexandre Sartorelli


Ouço a brisa e as estrelas,
Peço ao mar um novo amor,
Ondas mansas, ondas belas
E não penso em minha dor.

Tarde de sol, sol de silêncio,
De uma praia que não há mais.
Penso na calma azul do tempo,
Pedras, sereias, luas e cais.

Horas tranqüilas, nela me lembro
De hortas, pomares e catedrais.
Hora de luz, a luz contemplo.
O teu sorriso, vida me traz.

Vida tão breve, um breve vento,
Tudo é agora ou nunca mais.

* Analista de Sistemas por profissão e poeta por vocação

Ao encontrar-te

* Por Vivaldo Terres

Ao encontrar-te na rua.
Maltrapilha, quase nua,
Implorando pedaço de pão,
Quem te conheceu não sabe,
Que fostes qual majestade
Morando numa mansão.

Tratavas teus serviçais
Como se fossem animais,
Sem amor ou compostura.
Hoje estás abandonada,
Passas as noites na calçada,
Como mendiga de rua.

Quantas noites recebestes
Esmola e compreensão
Dos mesmos que maltratavas
E arrogante, gritavas:
Vão trabalhar malandrões!

Os mesmos, indignados,
Mas pobres e necessitados.
Fingiam não te escutar
Pois eram gente honesta
Precisavam do trabalho
Pra seus filhos sustentar.

E tu, com arrogância,
Não pensavas que ferias
a alma e o coração
Daqueles que trabalhavam,
Cujo suor derramavam
Para ganharem seu pão..

Hoje vives abandonada,..
Cansada, desmemoriada,
Talvez sintas dor profunda.
Tua casa é a marquise,
Tua cama é a calçada,
Pois és mendiga de rua.

* Poeta em Itajaí/SC

sexta-feira, 27 de novembro de 2009


Leia nesta edição:

Editorial – Esclarecimento que se impõe

Coluna No sopro do Minuano – Rodrigo Ramazzini, conto “Retratos não vividos”.

Coluna Contrastes e confrontos – Urariano Mota, crônica, “Miss Pernambuco 1963”.

Coluna Mares interiores – Solange Sólon Borges, poema “An(seios)”

Coluna Do real ao surreal – Eduardo Oliveira Freire – poema, “Pílulas Literárias 30”.

Coluna Porta Aberta – Núbia Araújo Nonato do Amaral, poema “Deveras”.

Obs.: Se você for amante de Literatura, gostar de escrever, estiver à procura de um espaço para mostrar seus textos e quiser participar deste espaço, encaminhe-nos suas produções (crônicas, poemas, contos, ensaios etc.). O endereço do editor do Literário é: pedrojbk@gmail.com. As portas sempre estarão abertas para a sua participação.


Esclarecimento que se impõe

Caros leitores, boa tarde.
A crítica, quando bem fundamentada e objetiva, é sempre bem-vinda. Ajuda a situar-nos, a mostrar onde estamos, se estamos procedendo com correção ou se temos defeitos visíveis, que não enxergamos, que devam e possam ser corrigidos.
Todavia, quando é vaga, é subjetiva e não aponta com precisão o que no entender do crítico merece ser criticado, é sumamente irritante. Pode ser encarada (e de fato é por muitos) como provocação para briga. E neste caso, se seu autor não se acautelar, pode se dar muito mal.
Este nosso papo diário no início das edições é elogiado por muitos e criticado por alguns. As críticas pertinentes são, obviamente, acatadas e os pontos falhos apontados são corrigidos na medida do possível.
Contudo, alerto, não aceito, em hipótese alguma, determinadas considerações que considero inoportunas, quando não agressões veladas. Não sou humilde, segundo o critério do vulgo, ou seja, no sentido de baixar a cabeça para qualquer um que me faça restrições, sem sequer saber o que fala. Há quem se meta a senhor da razão sem conhecimento de causa. Sem conhecer minha biografia, minha trajetória de vida, meus pensamentos e sentimentos, em suma, sem conhecer absolutamente nada a meu respeito.
Como alguém pode criticar quem quer que seja nessas circunstâncias? Acima da humildade, coloco o amor próprio. Afinal, não é este o parâmetro apontado por Jesus Cristo para amarmos alguém? Ele não ordenou “ame o próximo como a si mesmo”? Permitir que alguém nos critique sem fundamento, com o objetivo ostensivo de nos humilhar e ridicularizar publicamente, não é, nunca foi e jamais será humildade. É burrice. É covardia. Na melhor das hipóteses, é hipocrisia.
Não aceito críticas, por exemplo, do tipo “seu texto é chato”. Chato no quê? Seja específico. Dê exemplo de como fazer para torná-lo vivo, alegre, atraente e ainda assim inteligente e reflexivo. Não aceito comparações, do tipo “escreva como fulano”. Este pode, de fato, escrever melhor do que eu (ou não). Mas cada qual tem seu estilo, baseado em sua cultura, sua experiência de vida, suas leituras etc.
Isto não é crítica, repito. É provocação para briga. E um dos meus maiores defeitos (ou virtudes, sei lá) é ser briguento. Quando estou convicto de estar com a razão, não cedo um milímetro de terreno a ninguém. Isto não é ser arrogante. É ter personalidade.
Os que criticam estes editoriais (pouquíssimos) usam, como principal argumento o fato de eu repetir assuntos. E daí?!!! Aqui cabe outro esclarecimento. Estes textos não têm a pretensão de serem ensaios literários, filosóficos, psicológicos ou seja lá do que for. São mero papo descontraído e descompromissado com você, que me honra com sua assiduidade. Posso escrever o que me der na veneta, desde que respeite o bom-senso, a moral e os bons costumes. E a correção da linguagem, claro.
Detesto de verdade estes editoriais. Faço-os, apenas, porque o layout da página exige um texto introdutório para cada edição. Faço-os para atender pedido dos que imprimem diariamente o Literário, para distribuí-lo entre os amigos, como uma “revista” diária de Literatura. Já ensaiei muitas vezes sua suspensão. Esses abnegados colaboradores, porém, rogaram que não o fizesse. E eles sim, pelo tanto que contribuem para a nossa divulgação, têm moral para não apenas pedirem qualquer coisa, mas até para darem “ordens”.
Se você gosta destes editoriais, terá que continuar gostando do jeitinho que eles são. Não mudarei sua forma em nada apenas porque uma ou duas pessoas lhes fizeram restrições. E se você não gosta, faça um favor a este Editor (e a você próprio, pois se criticar sem fundamento pode estar comprando uma briga pra lá de indigesta): não leia. Passe batido e vá logo para os textos dos colunistas. O mesmo vale em relação às minhas duas colunas semanais (e são duas por solicitação expressa da imensa maioria dos leitores, e não por vaidade pessoal, o que posso comprovar com os e-mails que tenho em meu poder).
Se você, meu crítico feroz e contumaz não gosta do que escrevo, azar o seu. Está perdendo preciosa oportunidade de se esclarecer, e de graça. Por favor, não me leia nunca mais, até para evitar de receber respostas na medida das suas críticas. Milhares de outras pessoas, certamente, lerão, aprovarão meus textos e pedirão bis. Para a sua infelicidade, você não é dono da verdade.

Boa leitura.

O Editor.



Retratos não vividos

* Por Rodrigo Ramazzini


U
ma rajada de vento entrou pela porta dos fundos e derrubou um vaso de flor. Um segundo sopro fez a porta fechar-se violentamente. Com o barulho da batida, Claudinha despertou. Ancorado no seu peito, um álbum de fotografias.

A noite mal-dormida fora confidenciada pelo cochilo no sofá. Sentou-se e espreguiçou-se. O álbum escorregou para cima de suas coxas. Era de capa branca, com detalhes de linhas douradas entrelaçadas no centro. Apreciou-a. Seus pensamentos logo se remeteram ao passado. Então, resolveu folhá-lo página por página.

Virou a primeira folha. A imagem da sua festa de quinze anos. No ato célebre de apagar as velinhas. Grande festa aquela. Todos os colegas da escola reunidos.

– Onde foram parar todos? Indagou-se.

Outra página. O sonho, uma carreira. Eis o que representava aquela figura, de sorriso largo, vestida a caráter, com um canudo na mão. A formatura! Final tão esperado. Começo de novos caminhos.

– É! – proferiu, soerguendo as sobrancelhas.

Folheou o álbum novamente. Retratada estava a ação típica das noivas: o arremessar do buquê. “Encalhadas” em um surto coletivo na busca do bom futuro prometido pelo simples agarrar do ramalhete completavam a foto.

- Aqui estaria a lua-de-mel...

Seguiu indicando a localização na página.

A lua-de-mel. Retratos evidenciando em inúmeras folhas o sentimento maior: o amor. Poses e risos não faltariam para registrar a felicidade deste determinado momento.

- O destino assim desejou... – sussurrou baixinho.

Nas páginas seguintes muitas fotos de ocasiões felizes: férias, passeios, viagens, encontros familiares, aniversários, shows etc. Momentos de uma vida inteira ali contados. Espirrou fortemente. O álbum quase caiu de suas mãos. Quando o reabriu, a memória da gravidez apresentou-se. O mês a mês da evolução da vida eternizado em um retângulo. Fotos de um momento que se repete diariamente, mas único para quem o vive.

- Se chamaria Gabriel... – lacrimejando, pensou.

Uma lágrima caiu sobre o álbum. Indagou-se:

- O que estou fazendo?

Limpou rapidamente a folha com a camiseta. Os devaneios de uma mente produzem imagens quase reais. Coisas não vividas. Sensações não sentidas. De quem dependiam para acontecer?

Fechou o álbum de fotografias que dará para a sua sobrinha no próximo sábado. Ela completará quinze anos. Um álbum novo. Em branco. Suspirou fundo e proferiu:

- Se tivesse sido assim...

E foi juntar o vaso de flor que caíra com o vento...

* Jornalista




Miss Pernambuco 1963

* Por Urariano Mota


Vera Lúcia Torres Bezerra é senhora de uma idade que a educação e a gentileza não devem perguntar Em uma discreta graça, que a maldade chamaria coquete, de passagem ela conta que foi Miss quando possuía apenas 16 anos. Pela implacável aritmética, 2007-1963 = 44. Quarenta e quatro mais dezesseis, sessenta Mas isso é segredo, ela com maior graça pede, porque mocinhas menores de idade não poderiam participar do concurso. Então, pelas normas legais, se ela foi Miss aos dezoito, atravessa hoje os sessenta e dois anos. Mas a Lei e a cruel Aritmética de nada sabem. Entendam, não é bem que as pessoas, as mulheres em particular, e Vera Lúcia em especial, não sintam nem sofram quarenta e quatro mais dezesseis anos. Sentem, percebem, sofrem, se desesperam ou se acomodam a esse inexorável. Não quero ser, nem poderia em razão de natural deficiência, um Catão, um copiador de procedimentos de Plutarco, a invocar ética dura e pesada moral. Mas pessoas como Vera Lúcia penetram em nossa consciência como uma antecipação do que seremos. O que nos salva ou nos salvará, quando tudo for perdido?

Ela me fala com o rosto oculto em óculos escuros, embora seja noite no Recife. Enquanto fala, enquanto expõe, ela vai desarmando, ela vai desmontando os mais severos e sólidos preconceitos. O primeiro deles é o de que as misses são ignorantes, quando não se resumem na mais simples burrice. E ela desmonta isso não bem por um currículo exterior, de provas e títulos. Por eles sabemos que essa mulher é graduada em economia, com pós-graduação na Fundação Getúlio Vargas. Por eles essa mulher conhece a língua francesa, e somente nisso ela já ultrapassaria a marca das misses que dizem ter lido O pequeno príncipe, mas são incapazes de saber quem foi Exupéry. Não é por isso que a vemos inteligente. A sua inteligência se revela em documentos não escritos, porque se pronuncia por um dom raro de observação, quase diria, se isso não me fizesse mergulhar em outro preconceito, ela percebe coisas dignas do olhar de um artista.

Vera Lúcia Torres foi Miss Pernambuco no mesmo ano em que a Miss Brasil foi Ieda Maria Vargas, em 1963. Ieda Vargas, mais adiante, conquistou o título de Miss Universo. Mas isso ainda é currículo, o bom vem depois. Quando perguntada sobre a mudança do padrão de beleza da mulher, do seu tempo até hoje, ela responde, melhor dizendo, observa: “Elas agora são mais altas, de fisionomia mais graúda”, e explica o que é este graúda: “boca grande, olhos grandes. No meu tempo eu notava que a beleza era angelical, mais delicada. E agora é mais a mulher graúda, magra demais. Eu não sou a favor de gordura, mas eu acho que tem de ter as curvas, porque se não fica igual ao corpo de um homem. Além das pernas bonitas, tem que ter, no meu conceito, uma cinturinha e uma curva. Isso não quer dizer um quadril grande, exagerado”. E ouçam agora as medidas, no que parece um número de ouro da beleza do Brasil em 1963: “O busto tinha que ter a medida dos quadris. A cintura igual às coxas... Gisele Bündchen jamais seria miss. Na minha época se exigia muito postura. E a de Gisele deixa muito a desejar, a maneira dela se sentar, de se dirigir, de falar. Hoje se exige apenas que seja alta, magra. Com as pernas finas, altas, as modelos mais parecem equilibristas....”.

- O que é a maneira de Gisele se sentar?

- Masculinizada. Perna aberta, uma lá, outra cá....

E vem então uma observação que se perdeu com o tempo, mas não a seus olhos que me fitam por trás das lentes escuras:

- Na minha época, as manequins, modelos que desfilavam, não podiam rebolar, bambolear o quadril. Havia uma exigência, uma ordem de caminhar roçando os pulsos no quadril, que era para não menear as cadeiras.

A esta altura, como se fizesse um só comentário, como uma continuação que tem a ver com o modo de caminhar, a senhora Vera Lúcia observa e traz uma notícia rara, até hoje não escrita em qualquer imprensa:

- A Miss Universo de meu concurso, a Ieda Maria Vargas, não conseguia juntar... ela só tirava retrato de lado, porque de frente não juntava as pernas.

- Por quê? As pernas dela eram muito volumosas?

- Não, porque ela tinha um joelho grosso em cima, e aqui embaixo era um buraco. Ela só tirava foto de lado, pode ver.

- Como assim?, eu não estou entendendo. A Miss Universo da época não tirava retrato de frente, por quê? As coxas dela eram muito grossas, e por isso não ficavam juntas?

- Era uma abertura, com as pernas em arco. Era um desvio nas pernas, cangalha, entende? Então ela, sabida, posava de lado. E maquiava, porque tinha varizes. Ela passava uma base, um creme. A base escura disfarçava as varizes.

Está certo, são observações de mulher concorrente ao mesmo título, poderia ser dito. Mas o que diríamos de um pintor que observa com olhos argutos uma pintura de outro? Ou de um escritor que percebe as fraturas da obra de um novelista? Diríamos que são observações fruto da inveja? Ou mais precisamente que são notações de alma treinada naquele ofício? O mais sensato é ouvi-la, principalmente quando ela fala algo como

- A Miss Universo possuía um rosto muito bonito, a boca, os olhos cor de mel... mas não tinha cultura nenhuma. Ele chegou aqui em Pernambuco e saudou, “povo peruano”....

- Trocou o Recife por Lima. Muito interessante. Isso foi no rádio ou na televisão?

- Foi quando ela voltou, como Miss Universo. Ali mesmo no aeroporto, com todos os repórteres, fotógrafos, microfones.

Então eu lhe falo com a voz mais traiçoeira que um entrevistador pode ter, com um tom suave, pleno de intimidade e blandícia:

- Na sua época, ser Miss era o mesmo que ser burra, não era?

Vera Lúcia Torres não se engana com o tom nem se ofende com o conteúdo. E como prova de que tal qualidade não se aplica a ela, responde:

- Diziam que a única leitura de Miss era O Pequeno Príncipe. É claro que, como eu era muito jovem na época, não poderia ter a cultura que adquiri depois. Mas eu já gostava de ler. Os meus amigos eram todos universitários, de medicina, de direito, teatro. Eu ia muito a teatro, exposições, porque eu gostava.

E o entrevistador, traiçoeiro:

- Exatamente. Tem toda a razão.

- Mas a mulher do meu tempo era preparada para esperar o príncipe encantado, e se fosse Miss, o sonho era casar com um grande empresário, um homem rico, porque era Miss...

- A senhora casou com um empresário?

- Não.

- Nem com um homem rico?

- Não. Em primeiro lugar tinha que existir amor.

A esta altura, a sua filha, um jovem bonita de 21 anos, entra na entrevista para completar a frase que a mãe não quis dizer:

- Ela casou com um homem pobre e feio.

- Verdade?

E a filha:

- Era pobre, feio, horrível. E assim, cheio de homem rico e lindo atrás de mãezinha.

Ao que explica a mãe:

- Uma das coisas que eu mais admire no ser humano é a inteligência. E a bondade.

- Verdade?

A esta altura o entrevistador se foi, partiu, porque deixou de ter o domínio, porque foi destruído em seu maquiavelismo. Deixou de conduzir para ser conduzido. Há um capítulo não escrito, na vida dos entrevistadores, que reza a sua conquista em razão de um comportamento inesperado. Nesse capítulo, em uma das suas divisões, em algum lugar se inscreve que entrevistadores feios e pobres são conquistados por misses que não se casam com grandes empresários. Mesmo que essa misses não mais sejam formosas jovens, mesmo que tenham passado pela curva dos sessenta anos. Ou até mesmo por isso, diria até, com mais razão por se encontrarem nessa idade. Não sei se isso é bem perversão ou uma busca do espírito, só tu, puro espírito. De qualquer forma, uma perversão, que nem precisa dizer que é romântica, porque é do caráter do romântico um semelhante desvio. O fato é que ex-misses como a senhora Vera Lúcia Torres Bezerra possuem um travo, um amargo de ex-combatente, de quem passou pela experiência da guerra. E, no entanto, esse travo é bom. Imagino que isso se dá em razão de ser uma vitória dos valores em que acreditamos, o do valor que é o valor, o da vitória do belo nas condições mais infames. Senhoritas, misses, que em um mundo de corpo-mercadoria, em um açougue de carnes, que reagem e vivem como pessoa e gente. E que se casam ao fim com indivíduos cujo maior patrimônio é a qualidade interior. Isso não é um conto de fadas. Miss Vera Lúcia Torres Bezerra está diante de mim para tentar vender uma carta do poeta Olavo Bilac, que guarda e guardou há muito tempo.

O entrevistador se foi. Miss Vera Lúcia Torres Bezerra nem precisava dizer que estudou Economia porque era admiradora de Celso Furtado. Nem mesmo, em um golpe mortal, que esteve ao lado daqueles doidos e perseguidos pela ditadura no Brasil. Derrotado, miro-lhe então os olhos despidos das lentes escuras, e percebo-lhe as rugas, o pescoço, o tecido mole. Mas, coisa estranha, percebo ainda assim que os anos por ela passaram e não alcançaram a sua decadência. Por que esse paradoxo? Talvez porque o espírito, quando sobrevive, suporta melhor o copo que envelhece. Não importa quantos anos se tenham passado, tenho gana de lhe dizer e me calo. Por isso escrevo agora, porque os escritores somos muito valentes no silêncio e a distância: Vera Lúcia Torres Bezerra, você ainda é a nossa musa. O tempo passou para todos, Miss Pernambuco 1963.

* Jornalista e escritor




An(seios)

* Por Solange Sólon Borges

“...e esta tentação de roçar na face a pele perfumadado pêssego, como se ele fosse uma pêssega....” (Mário Quintana)

Toca os pêlos soltos, dedilhando suave música.
Eles se abrem como flor, acolhendo a morna oferenda do beijo terno e silencioso.
E se vê assanhadíssimo perante arredondada beleza sem saber por onde acarinhar.
Não são seios, são desejos de pêssego.

* Jornalista, dedica-se a diversos gêneros literários. Entre outras atividades, atua em alguns programas “O prefácio”, sobre livros e literatura. Um deles é o programa Comunique-se, levado ao ar pela TV interativa ALL TV (2003/2004). Apresentou, também, “Paisagem Feminina”, pela Rádio Gazeta AM (1999), além de crônicas diárias na Rádio Bandeirantes e na Rádio Gazeta — emissoras das quais foi redatora, repórter, locutora e editora.



Pílulas literárias 30

* Por Eduardo Oliveira Freire

FORMATURA.

Formou-se em medicina, ganhará um presente bacana e terá uma festa maravilhosa depois da formatura. Não pensou, em momento algum, como poderá ser útil aos que precisam de ajuda.

AUSÊNCIA

Observava com o olhar perdido o quarto de bebê que nunca será habitado.

RENOVAÇÃO

Medita na montanha e consegue não pensar em mais nada. Retorna à cidade renovado.

* Formado em Ciências Sociais, especialização em Jornalismo cultural e aspirante a escritor.



Deveras

* Por Núbia Araújo Nonato do Amaral

A mulher já nasceu com débito.
Seu ônus o pecado original.
O homem tão inocente
a sua lábia se rendeu.

Com mãos ardilosas
a mulher o guiou,
a ao calor do seu sexo
ele se entregou.

Deus bramiu, rugiu, bufou!
Mulher pecadora,
mulher sem valor.
A ti Eu reservo as dores do mundo,
as lágrimas, as culpas,
um poço sem fundo!

Ao homem, entretanto
perdoo seu erro,
tu vais governar
de mim és herdeiro.

Eis que o tempo passa
e a mulher sem valor
que gera, que cuida
que planta o amor.

Mulher que chora seus filhos
perdidos, que luta pelos sonhos
já tão esquecidos...
Não curva, não cai
e ainda carrega em seu colo
o filho do Pai...

* Poetisa e colaboradora do Literário

quinta-feira, 26 de novembro de 2009


Leia nesta edição:

Editorial – Exercitando os neurônios

Coluna Do Fantástico ao trivial – Gustavo do Carmo, conto “O amante suburbano”.

Coluna Contradições e Paradoxos – Marcelo Sguassábia, conto “Chegou nada. Era tudo o que faltava!”.

Coluna Ladeira da Memória – Pedro J. Bondaczuk, crônica “Desenho sem borracha”.

Coluna Porta Aberta – Flora Figueiredo, poema “Enlevo”.

Coluna Porta Aberta – Cândido Rolim, poema “Associated Press 10.out.2000”.

Obs.: Se você for amante de Literatura, gostar de escrever, estiver à procura de um espaço para mostrar seus textos e quiser participar deste espaço, encaminhe-nos suas produções (crônicas, poemas, contos, ensaios etc.). O endereço do editor do Literário é: pedrojbk@gmail.com. As portas sempre estarão abertas para a sua participação.


Exercitando os neurônios

Caríssimos leitores, boa tarde.
A necessidade de produzir textos diariamente pode se constituir em excelente treino para se melhorar o estilo, tornando-o mais claro e objetivo, mas, ao mesmo tempo, nos traz o risco de se constituir em uma perigosa, se não fatal, armadilha. Não é todo o dia que temos idéias brilhantes, humor estável e paciência para escrever. Quando não temos a obrigação de redigir coisíssima alguma nessas ocasiões, até por prudência, nos poupamos.
Mas... e quando não podemos fugir dessa obrigação? O que acontece, por exemplo, a um editorialista de jornal se chegar para o seu chefe e disser: “Hoje não estou disposto, acordei mal-humorado e não vou escrever o editorial”? Nem é preciso ser muito inteligente para concluir que será demitido.
Ademais, se não é todo dia que o redator acorda disposto, bem-humorado e com idéias claras (o que muitos classificam de “inspiração”), o mesmo ocorre com o leitor. Determinados textos que lemos, quando nosso humor está em baixa, e que consideramos uma “droga”, quando lidos tempos mais tarde, com humor mais leve, se revelam excelentes e reveladores.
Por isso, é até uma sacanagem muito grande com quem escreve julgar a sua produção depois de apenas uma leitura apressada, não raro de menos de um minuto, sem atentar para as nuances do que escreveu, e, ainda mais, num “daqueles” dias.
Por que exigirmos dos outros que sejam brilhantes o tempo todo, se nós não conseguimos ser assim? Por que esperar do escritor que escreva, todos os dias, um “Dom Casmurro” ou uma “Divina Comédia”? Não há gênio que consiga fazer isso e, mais, que agrade, simultaneamente, “a gregos e troianos”.
Escrevo muita bobagem, sim, mas quem não escreve? Todavia, também produzo páginas de qualidade, caso contrário, não gozaria do prestígio que gozo junto a alguns milhões de pessoas que nunca me viram, dificilmente verão e que me reconhecem pela minha obra, e não por eventual simpatia, ou beleza ou seja lá o que for.
Ainda assim, com todo esse risco citado, defendo que o escritor escreva todos os dias, sim, mesmo naqueles em que não se sinta disposto, não esteja bem-humorado e não tenha a menor vontade de escrever. Corre o risco de ser repetitivo? E daí?! Qual o problema de se repetir? Afinal, qualquer treinador de atletas, não importa de que modalidade, sabe e diz amiúde: “só a repetição nos aproxima da perfeição”.
Ao participar da criação deste espaço, que edito há quase quatro anos (sem ganhar coisíssima alguma com isso, que fique bem claro) não pensei em ser elogiado, em obter consenso em torno das teses que defendo ou em achar que os leitores iriam ver-me como um “gênio”. Seria burrice da minha parte esperar coisas assim.
Minha intenção foi a de contar com um cantinho, como uma “academia de ginástica”, em que eu (e todos os demais participantes) pudesse me exercitar. Mas não exercitar meus músculos, pois estes não têm mais jeito. Exercitar meus “neurônios”.
Reitero que ninguém que tenha a obrigação de escrever todos os dias consegue a façanha de ser brilhante, ou mesmo razoavelmente bom, o tempo todo. Vejam os jornais. Há edições que são chatérrimas, mas ainda assim precisam ir para as bancas, para atender compromisso assumido com os assinantes. As “interessantes”, na verdade, são raras. O mesmo ocorre com revistas, com sites, com blogs e vai por aí afora.
O processo de comunicação não é feito tendo gênios nos dois extremos, ou seja, emissores e receptores. São pessoas comuns, certamente melhor informadas que a imensa maioria, mas sujeitas a tropeços e cochilos, a dias de indisposição e de mau-humor, ao tédio e às preocupações comezinhas que a vida impõe a todos.
Não pensem que não haja momentos em que me questiono sobre a validade de manter blogs na internet (e este, especificamente) e me expor diariamente ao ridículo. Não sou masoquista. Aliás, detesto sofrimento, seja de que espécie for.
Sou um cara de bem com a vida e gosto de sorrir, de amar, de brincar, de tecer amizades e de viver. Há dias (hoje, por exemplo) que não tenho a mínima vontade de escrever. Mas tenho compromisso. E quando me comprometo com alguém, ou alguma causa, movo céus e terra para honrar o comprometido, esteja com vontade ou não, disposto ou indisposto, distribuindo sorrisos ou cuspindo marimbondos.

Boa leitura.

O Editor.