domingo, 27 de dezembro de 2009


Texto arejado

Caríssimos leitores, boa tarde.
Detesto ler textos massudos, com parágrafos enormes contendo mais de um período com uma série de orações encadeadas. Claro, quando necessário, leio-os, mas seu “visual”, por si só, não é atrativo. Tão logo abro um livro e noto esse tipo de conformação gráfica, adio sua leitura, a menos que tenha grande necessidade de lê-lo.
Na minha função de editor, basicamente de jornal, livro o leitor dessa tortura e, ao mesmo tempo, valorizo o que o repórter escreveu e que me coube editar. Como? Muito simples. “Arejando” o texto. Trata-se de uma técnica que pouquíssimos editores utilizam (aliás, a maioria sequer a conhece). E no que ela consiste?
Exatamente no que seu próprio nome sugere. Ou seja, permitir que o texto “respire” e que, principalmente quem o lê, não se perca no emaranhado de letras e de palavras. Quebro-o em vários parágrafos, de no máximo um ou dois períodos, com não mais do que três orações cada. Além disso, aumento o espaço nas entrelinhas.
Quando fiz isso na primeira vez, foi uma chiadeira geral dos repórteres. Todavia, diante do resultado, os mais humildes tiveram a dignidade de me agradecer. Já os mais marrudos... Pelo menos pararam de reclamar.
Apesar dos críticos e dos que são tidos como eméritos estilistas condenarem essa forma de redigir, gosto do estilo enxuto, pejorativamente chamado de “telegráfico”. E minha experiência me diz que os leitores também o apreciam e preferem-no aos textos com parágrafos enormes, que às vezes chegam ao exagero de ocupar uma página inteira de um livro.
Espelho-me, por exemplo, na maneira de escrever de Graciliano Ramos, um dos “monstros sagrados” da Literatura Brasileira. Esse escritor era “econômico”, parcimonioso, cirúrgico no uso das palavras.
Aquilo que outros, menos peritos, gastavam páginas inteiras para expressar, ele expressava em cinco ou seis linhas, sem que houvesse a mínima perda de conteúdo. Dizia muito, ou pelo menos o necessário, num espaço restritíssimo. E como é gostoso ler os livros de Graciliano!
Os textos massudos, quando impressos em corpos tipográficos minúsculos, digamos 8 ou 9, como a maioria das editoras faz, até para economizar papel e reduzir custos de publicação, são uma tortura chinesa para pessoas que, como eu, em decorrência da idade, já não enxergam tão bem. Ainda se se tratasse de algum e-book, teríamos (como de fato temos) o recurso do “zoom” do computador, que amplia o que está escrito e o torna do jeito que quisermos.
Creio que foi por isso que acabei por me acostumar a ler livros na telinha. Cada vez mais vou deixando de lado os impressos em papel, dado o desconforto que sua leitura me traz. No início, era cansativo ler minhas obras prediletas no computador. Como tudo é uma questão de costume, hoje acho isso uma delícia. Para sentir-me confortável, providenciei, antes, uma cadeira rigorosamente ergonométrica, que protege minha coluna vertebral.
É possível que, como nas outras vezes em que manifestei minha preferência por ler na telinha e não mais em papel, muitos confidenciem (ou no espaço de comentários, ou de forma mais íntima, enviando-me um e-mail) que não conseguem abrir mão do livro impresso. Tudo bem.
Respeito sua preferência, claro. Só quero ver se essas pessoas continuarão agindo da mesma forma quando chegarem à minha idade e passarem a conviver com problemas de acuidade visual (normalíssimos, por sinal, e característicos do envelhecimento). Tenho certeza que mudarão de opinião.
A você, escritor amigo, que deseja conservar seus leitores mais experientes (em geral os inveterados em leitura), facilite sua vida. “Areje” seus textos. Fuja dos parágrafos imensos, dos períodos lotadinhos de orações, da tentação de dizer as coisas da maneira mais difícil e transversa.
Seja direto, sóbrio (como Graciliano) e organizado no que escreve. Nós, leitores, que já passamos dos 60, certamente lhe agradeceremos a gentileza. E se, o que você escrever tiver conteúdo, seremos seus perenes e fiéis leitores. Pense nisso.

Boa leitura.

O Editor.

2 comentários:

  1. Chiiii Pedro, fiquei preocupada. Será que falta um "ar condicionado" nos meus textos? Rs,rs,rs
    Vou tomar mais cuidado!
    Abraços

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  2. Ah, saudade de Graciliano Ramos. Desde a carta ao governador de Alagoas, que coloquei dentro de um outro livro dele e infelizmente não mais a achei, até Memórias do Cárcere, passando por São Bernando e Vidas Secas, amo esse autor. Conheci Palmeira dos Índios, cidade onde ele, sendo médico, chegou a prefeito e contrafeito enviou carta ao governador, prestando contas do que tinha feito, isso falando mal muito mal da sua gestão. Sou eterna fã de Graciliano e adorei vê-lo citado no seu editorial. Caso saiba onde encontro a famosa carta, gostaria muito de relê-la. Que tal colocá-la aqui entre os clássicos?

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