quarta-feira, 23 de dezembro de 2009




O tempo

* Por Marcos Alves


Ponto de partida: parte baixa da cidade, nos pés de uma colina suave. Um aglomerado de árvores e casas onde começa a estrada da lajinha. É por ela que vou começar uma corrida a fim de fazer um pouco de exercício nesses dias quentes e chuvosos de verão.

Desço correndo a rua de paralelepípedos – uma descida empinada que faz vibrar os ossos a cada pisada forte com meu tênis 40 e uma meia sem elástico. As bochechas vibram também com o impacto daquilo.

Chego enfim à esquina e viro para outra rua que desce (agora uma descida suave). Um jardim plano e imenso apresenta-se aos poucos enquanto me desloco. Á medida em que me movo, o olhar penetra em silhuetas, fendas, ocasos luminosos e aparições rápidas de seres que não posso distinguir direito agora, pois quase bato em alguma coisa que surge na minha frente.

Na verdade era uma carroça, ou melhor, um cavalo – pois ele puxa a carroça e, portanto, vem primeiro. O carroceiro era um cara gente boa e tirou um pouco o cavalo da trajetória. no momento em que busquei a parte de cima da calçada estreita e mantive o caminho até a Lajinha.

Chego então à margem do rio, um pedaço que banha a parte baixa da cidade. Há bancos e sombras em volta de mangueiras à noite procuradas por casais que ali podem namorar por horas. Uma espécie de refúgio onde também ficam andarilhos, pescadores e outros seres solitários.

Depois de 10, 15 minutos de corrida geralmente fico cansado. As pernas começam a doer e uma delas especialmente. Não lembro qual. Em algumas vezes chego a parar de correr e volto para casa. Noutras posso continuar o exercício. A dor passa. Estou agora numa estrada de terra.

O exercício se torna mais árduo com a poeira dos carros. Incomoda quando passam com as pessoas olhando para a gente. Devem pensar: que faz este aí correndo? As moças olham e depois se viram sorrindo. É bom. Os mais velhos ficam de cara fechada. Pode ser a poeira no rosto. Era um fusca antigo e empoeirado lotado de gente. Para andar ali é ótimo.

Os pulmões agora estão contra minha vontade de continuar a tarefa até o final. O ar é pouco e o sol está forte. Completamente molhado de suor forço a barra e continuo marchando sobre a terra dura. Bois, bezerros, bichos com chifres e sem chifres, grandes, médios e pequenos comem o pasto.

Um cheiro de estrume fresco fica no ar quente do verão dessa roça. E eu ali correndo. Diminuo então o ritmo, estou a cem metros do rebanho espalhado entre morros de cupins, numerosos nessa região e que se misturam aos vales e planícies do lugar. Passo devagar entre esses animais que têm o estranho hábito de ficar mascando grama e olhando fixamente para a gente.

Escuto o marulhar da água lá embaixo. São uns oitocentos metros até o final. Há uma ponte depois de uma curva à esquerda. É a ponte onde antigamente se fazia o caminho até a Varginha. Depois da estrada nova ficou conhecida como Ponte Velha. O nome é apropriado.

Não tem as proteções laterais em alguns pontos. Dizem que por ali passaram automóveis e caminhões que despencaram rio abaixo. O vento que sopra entre as árvores chega em rajadas, o que também colabora para tornar tudo ainda mais bucólico.

O rio passa caudaloso embaixo lambendo as pedras eternas de seu leito. Acompanho com o olhar o rio até sumir no horizonte alaranjado e o ponto onde preciso desviar-me do reflexo dos raios do sol na água.

Fim de corrida, ando em passos lentos. Satisfeito com a viagem busco a sombra. Sentado na grama, descalço, procuro quase não pensar. Apenas tenho a sensação de que vivi mais em 20 minutos que alguns dias, talvez meses da minha vida.

Não apenas pelo exercício e seus benefícios. Mas pela idéia de que o tempo às vezes parece voar como tico-ticos, às vezes parar como a Lajinha. E nós não temos o menor controle sobre isso. Tanto tempo falta e tanto tempo sobra...E a vida aí para ser vivida – 2010 que o diga.

*Jornalista, www.marcos-alves.blogspot.com

2 comentários:

  1. Deter o tempo. Controlá-lo...que desperdício.
    Viver apesar de não parecer é bem mais fácil.
    Eu flerto com o tempo, um dia a gente se afina.
    beijos

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