domingo, 27 de dezembro de 2009




O que todo mundo quer

* Por Rosana Hermann

O ser humano moderno tem basicamente três desejos: comer sem engordar, transar sem procriar e ganhar sem trabalhar.

O primeiro desejo vem sendo buscado na marra, à base de lipos, dietas e, como soubemos recentemente, de anfetaminas, já que o Brasil além de líder em cirurgias plásticas estéticas é também o maior consumidor do mundo de 'bola' para emagrecer. A obesidade é um problema de saúde pública mas emagrecer, em última instância, é uma tarefa de foro íntimo.

Para realizar o segundo desejo, os casais têm buscado métodos como a pílula e, principalmente, a camisinha, usada até mesmo em lugares totalmente inconvenientes, como o parque do Ibirapuera, que foi transformado em motel a céu aberto e boca fechada. De qualquer forma, excetuando-se o atentado ao pudor público, a questão sexual só interessa ao casal envolvido.

O problema maior, porém, está no terceiro objetivo do homem moderno, o de ganhar sem trabalhar. Para alcançar este sonho, muita gente tem tentado transformar a justiça em fonte de renda, processando pessoas físicas e jurídicas atrás de qualquer tipo de indenização, com ou sem bom senso. Mas a questão mais grave, endêmica é aquele método de enriquecer sem o suor do trabalho, o método mais disseminado em nossas entranhas, a corrupção.

A corrupção, a roubalheira, os crimes de colarinho branco, o suborno, a sonegação, deveriam ser considerados como crimes hediondos, porque roubar dinheiro público também é assassinato. A diferença entre o desvio de verba do povo e uma bala de revólver é apenas de escala e de tempo. O tiro tem uma correspondência biunívoca e aguda: para cada pessoa, um tiro, que mata na hora. A corrupção é coletiva e crônica: mata muita gente, a longo prazo, em filas de hospital, pela falta de escola e oportunidades ou pelo desemprego. Qualquer pessoa que já tentou usar um serviço público de saúde sente que chegou ao outro extremo das notícias de corrupção.

Mas o cenário desolador da nossa realidade não está dissociado de cada um de nós. Por isso, hoje, quando vemos reportagens mostrando crianças armadas que trabalham para o tráfico, falando da morte como um amigo de infância, devemos ver ali, também, o resultado da loucura dos nossos desejos. Não há como separar a perversidade doentia do ser humano da exploração sexual de homens, mulheres e crianças; nem como separar a compulsão patológica do tráfico de drogas; a vaidade está ligada ao mercado negro de remédios assim como a ambição desmedida é irmã da corrupção. No fundo, vivemos uma grande ilusão: a de que se formos lindos, atraentes, poderosos, tudo vai dar certo na nossa vida.

Devem estar certos os budistas que dizem que só o desapego e a eliminação da ignorância, do sofrimento, da ilusão e do desejo podem nos levar à iluminação e à paz. Sem isso, vamos continuar atolados, pisando num acelerador que só nos faz afundar mais sem sair do lugar, no meio da lama onde estamos hoje.

*Rosana Hermann é Mestre em Física Nuclear pela USP de formação, escriba de profissão, humorista por vocação, blogueira por opção e, mediante pagamento, apresentadora de televisão.

Um comentário:

  1. Queria ver onde aquele infeliz iria enfiar
    o dinheiro se as cuecas fossem descartáveis...
    Abraços

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