quinta-feira, 24 de dezembro de 2009




Como é que eu vou fazer pra limpar meu Dingobel?

* Por Fernando Yanmar Narciso

Chega novamente aquele período do ano... A época mais bonita e exibicionista de todas. Como diriam os metaleiros, “Satan Claus is coming to town”. Hora de abraçar o consumismo mais calorosamente que no resto do ano, encher a casa com aqueles parentes que você não gostaria de ver nem se as fotos deles estivessem em notas de 100 dólares, montar aquele pinheirinho de plástico mofado que te deram de presente de casamento, enfeitar a casa toda com bolinhas, luzinhas, velas vermelhas de macumba, guirlandas feitas de bala, pinhões pintados de vermelho, algodão imitando neve e tudo o mais que não tem absolutamente nada a ver com nosso clima tropical. Enfim, é tempo de amor e amizade.

Certas coisas que outrora nos pareciam tão importantes sempre acabam perdendo o brilho conforme os anos passam. Pra mim, Natal é uma delas. Parece ser feito sob medida para dois tipos de pessoas: as crianças e os muito ricos. Foi-se o tempo em que os pequenos passavam boa parte da festa de Natal deitados no chão, brincando com suas novas aquisições e invejando os presentes uns dos outros... Não tem melhor época no ano pra ser criança do que o mês de Dezembro. Quando mais pirralho, eu extrapolava. Fazia uma lista enorme de presentes pros “Noéis” da família, e estourava o orçamento de todo mundo. Deixava bilhetinhos pela casa forçando pais, tios e avós a dar presentes antes do dia, e obviamente todos os outros primos acabavam embarcando nessa onda. E ai de quem não tivesse comprado certo!

Tem sempre os “mais religiosos” da família que preferem tirar o mês pra fazer de conta que se importam com a paz de espírito. Tem a novena de Natal, quando todas as tias e tios se reúnem pra louvarem ao Menino Jesus, e depois se empanturrarem de café e biscoitinhos. Nunca fui chegado em torrar meu tempo rezando, tampouco consegui compreender por que os ricos da família rezam tanto. Eles já têm tudo! Mesmo assim, vovó insistia para que meus pais fossem à novena de vez em quando, e eu ficava atazanando os gatos do meu bisavô enquanto todos diziam Amém.

A Igreja que me perdoe, mas não é de hoje que o Natal perdeu a importância religiosa para os ocidentais. Só os mais velhos se lembram que esse é o “dia do nascimento de Jesus Cristo”. Quer dizer, é, mas também não é. Estudos de judeus ortodoxos desocupados discutem que o Jesus da bíblia não nasceu em Dezembro, e que tampouco existe uma data exata para seu nascimento. Há quem diga que a história de 25 de Dezembro surgiu por essa ser também a data de nascimento de inúmeros deuses-sóis, e resolveram escolher essa data para o nascimento de Cristo porque soa mais profético um Messias nascendo no fim do ano que em Março ou Julho.

Então chega a grande noite! Depois de colocarem seus nomes dentro de um chapéu, escolhem com três dias de antecedência quem vai pagar a pena de sediar a festa de Natal do ano. Na festa, quase sempre eu ficava quieto no meu canto, vendo TV ou brigando com os mais novos. Ou então na cozinha, azucrinando as tias cozinheiras, que precisam travar uma verdadeira São Silvestre pra terminar toda aquela comida pro batalhão, faltando apenas uma hora pra meia-noite. Às onze, todos se reúnem para a última formalidade: o famigerado “presente oculto” – pois, convenhamos, ninguém ali é amigo mesmo, como prega o nome da brincadeira. Passamos a próxima hora tentando adivinhar quem tirou quem, no melhor estilo “quem matou Odete Roitman”, dando pistas falsas e matando os pirralhos de impaciência pra abrir logo os presentes importantes da noite, dispostos debaixo da árvore.

Aí vem a ceia. Ah, a melhor parte de todo o mês, não acham? Você se sente um Calígula em meio à tamanha pornografia alimentícia. É comida “para dar de pau”. Pernil, chester, carne recheada, arroz à grega, farofa, peixe assado, peru... Mas nada de salada! Todos os quilos que passamos o ano inteiro batalhando pra expulsar do corpo são recuperados em uma noite. E não sobra quase nada pro “barranco” do dia seguinte.

Uma coisa que eu nunca vou esquecer é do Natal de 97. Walcyr, um de meus tios que não é muito certo da cabeça, ficou prometido de levar um leitão assado para a ceia, só que o bicho não cabia dentro do forno, então ele tomou a decisão mais racional de todas: Assou só a cabeça do suíno e levou numa bandeja, tal qual a capa do disco dos Secos & Molhados. Nunca ri tanto na minha vida!

Finda a ceia, vem a famosa hora do “sobrou pra mim”, quando elegem o tio mais alcoolizado de toda a festa pra pagar mico vestido de Satan Claus. Então vai brincar com os mais novos, levar chutes na canela e puxões na barba falsa dos que daqui a 40 anos estarão usando essa mesma roupa. Uma noite como nenhuma outra.

Boas festas a todos!

* Fernando Yanmar Narciso, 25 anos, formado em Design, filho de Mara Narciso, escritor do blog “O Blog do Yanmar”, http://fernandoyanmar.wordpress.com

6 comentários:

  1. Crítica impiedosa, mas muitíssimo bem escrita, sobre uma festa que, vá lá, nem é tão ruim assim. Deixe de birras, pequerrucho. E feliz Natal!

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  2. É...O Natal tem tudo isso e muito mais. E que este escritor talentoso consiga sentir-se muito feliz nesta noite.Parabéns pelo texto!
    Abraços

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  3. Ah, esse filho meu vê o mundo de forma tão independente, que chega a me assustar ainda hoje. Mas o bom de tudo isso, é que todos se divertem, ou quase todos.

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  4. Cara, você fez-me lembrar de um Natal que uma
    amiga ganhou numa rifa um leitão já assado. A noitinha com os talheres de prata à mão, destrincharam o bicho...putz nem conto o resto...
    Mas eu ri muito da cara dela!
    Assim como estou rindo desse belo texto.
    beijos

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  5. Fernando... muito bom mesmo. A crítica é verdadeiramente atual e lógica. A questão familiar é a melhor que já li. Vocë vai longe e Mara está de parabéns pelo filho que tem e vocë está de parabéns de ser quem é! Vocë escreve muito bem e é muito inteligente.

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  6. muito obrigado por tds os elogios meus fieis seguidores
    mas eu tb posto os mesmos textos no meu blog
    vcs podiam dar uma comentada por lá tb de vez em quando pra deixar o blog menos deserto

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