quinta-feira, 17 de dezembro de 2009


Ato de generosidade

Caros leitores do Literário, boa tarde.
O escritor (pelo menos a imensa maioria dos que conheço) é, via de regra, um sujeito generoso. Partilha com pessoas que sequer conhece o que há de mais íntimo, precioso e nobre em sua alma: idéias, emoções, impressões, informações etc. e, sobretudo, seu talento. Há, claro, como em todas as regras, exceções. Estas, contudo, são tão inexpressivas que praticamente não contam.
Raciocinem comigo. Do que vive o escritor? Qual a fonte do seu sustento? O texto, não é verdade? É da sua escrita que ganha o pão nosso de cada dia. No entanto, os escritores que conheço jamais se recusam a atender, quando solicitados, a escreverem textos para publicação tanto em jornaizinhos de bairros, de paróquias, de sindicatos etc. quanto para jornais e revistas de grande circulação e nacional. Estes últimos, claro, faturam com o que eles escrevem. O escritor não! Isso é generosidade pura, embora muitos confundam com mera vaidade.
Cada texto seu, escrito e publicado de graça, equivale à doação, para quem o lê, do correspondente em dinheiro ao que ele valeria no mercado. E sempre haverá quem pague. Mas concordo plenamente com o Daniel Santos, que observou, judiciosamente, em um comentário que fez num dos meus editoriais: o “escritor não é nenhum mascate” para comercializar o fruto do seu intelecto e do seu espírito. É, pois, um sujeito sumamente generoso.
Peçam a um arquiteto que lhes elabore, de graça, uma planta para a construção de uma casa. Tentem fazer uma consulta grátis com um advogado ou um médico (a menos que seja num hospital público, no caso deste último, ou de um membro da defensoria pública, no caso do primeiro). Não conseguirão, óbvio. E é licito que esses profissionais cobrem pelo seu trabalho. Como seria, também, no caso do escritor.
O “produto” que o homem de letras oferece à sociedade é o mais nobre e sublime que há. Seus livros, ou textos avulsos, tanto faz se crônicas, contos e ensaios ou se romances e novelas, mudam a vida das pessoas que os lêem, sem que estas sequer se dêem conta. Nós, humanos, vivemos contínuo processo de metamorfose. Evoluímos, do nascimento à morte, continuamente. Nunca seremos amanhã o que fomos ontem.
As pessoas que conhecemos, os acontecimentos que vivemos e testemunhamos, as paisagens que vemos, as músicas que ouvimos, as experiências que temos, as conversas que sustentamos, tudo isso se incorpora, de uma maneira ou de outra, a nós, e compõe a nossa personalidade. Por isso não há, e jamais haverá, dois indivíduos rigorosamente iguais. Suas circunstâncias e experiências serão, sempre, sempre e sempre diferentes.
Nessa linha de raciocínio, afirmo, sem receio de exagero, que cada texto que lemos, mesmo os ruins e os supostamente perniciosos (e não considero, para o leitor que tenha um mínimo de senso crítico, que haja algum que possa ser classificado como tal), forma um “pedacinho” de nós. De alguma maneira, nos modifica e melhora.
Salvo exceções (e reitero que toda e qualquer regra as têm), nenhum escritor produz sua obra de olho no dinheiro, embora, insisto, esta seja a fonte do seu sustento. Este finda por ser mera conseqüência do seu trabalho.
O que ele recebe pelos livros que vende (quando recebe), por exemplo (e embora este seja um produto caro para os padrões de renda do brasileiro), por maior que seja essa remuneração, ainda estará aquém, muito aquém do verdadeiro valor intrínseco que têm. E se vocês atentarem bem, verão que a maior parte desse fruto da alma e do intelecto do escritor é oferecida aos leitores absolutamente de graça.
Só aqui, no Literário, já publiquei mais de três mil textos, de cerca de quatrocentos escritores!!! Fôssemos pagar por isso, a quanto ascenderia o dispêndio? O valor seria tão alto, dada a qualidade do que nos foi, generosamente, ofertado, que não haveria em lugar algum dinheiro suficiente para remunerar a mais ínfima parte dessa produção. E no entanto... tudo foi ofertado absolutamente de graça. Por que? Por ideal, por amor à espécie, pelo fato do escritor se deliciar em fazer arte. Em suma, por generosidade!!!

Boa leitura.

O Editor.

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Um comentário:

  1. De fato, invadimos a alma do escritor quando o lemos. O prazer dessa invasão é muito bom. Nunca pensei num único momento em ser remunerada pelo que escrevo. Já fico contente em ver minhas ideias lidas e consideradas, mesmo que não seja para aplicação ou reflexão. Deve ser modéstia. Ouso no entanto discordar quanto à consulta médica. Nos meus trinta anos de profissão, não recuso em ofertar uma consulta de graça. Não divulgo para não arcar com situação inviável, mas não nego uma consulta a quem me procura, mesmo desconhecido. Apenas que não faço todo o tratamento de graça, já que em minha área as doenças não têm cura, e os controles precisam ser muito frequentes.

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