quinta-feira, 19 de novembro de 2009


Obra sobrepuja o autor

Caríssimos leitores, boa tarde.
Há casos e mais casos em que a obra de determinada pessoa sobrepuja, em fama e prestígio, seu autor. Passados alguns anos de sua morte (ou, mesmo em vida, o que é mais cruel), o que o sujeito fez é lembrado em detalhes, mas seu nome é esquecido e ninguém fala dele. Acham que estou exagerando?
Digam-me, por exemplo, quem foi o inventor da roda? Que ela foi inventada, não resta nenhuma dúvida. Quanto à utilidade dessa invenção, é óbvia. Todavia, quem a inventou? Quando? Em que lugar? Duvido que vocês saibam. Eu não sei.
Em literatura isso também acontece. Alguns livros são tão famosos que são citados em todas as partes do mundo. Em alguns casos, porém, seus autores são lembrados com dificuldade, quando não absolutamente esquecidos.
Querem um exemplo? Digam-me, sem pestanejar, dois livros escritos por Pierre Boulle. Não lembraram de nenhum? Não conhecem esse autor? Conhecem sim, apenas não estão associando as coisas. Vou dar uma dica: suas obras mais famosas foram transformadas em filmes de grande sucesso. Ainda não se lembraram? Aí vai outra indicação: ambas películas foram premiadas com vários Oscars. Está difícil?
Um dos seus livros famosos é “La Planéte des singes”. Ainda não mataram a charada? Essa obra, que vendeu toneladas de exemplares na França, na verdade, não rendeu um único filme, mas seis. Continua difícil?
Pois é, o citado livro de Pierre Boulle, adaptado para o cinema, serviu de enredo para os seguintes sucessos de público e de bilheteria: “O Planeta dos Macacos”, “De volta ao Planeta dos Macacos”, “O segredo do Planeta dos Macacos”, “Fuga do Planeta dos Macacos”, “A conquista do Planeta dos Macacos” e “Batalha pelo Planeta dos Macacos”. Ufa! Tantos filmes famosos e o sujeito que deu origem a essas histórias praticamente esquecido!
Vocês acham que se trata de caso único? Não é. O próprio Pierre Boulle tem outro livro cuja fama ultrapassa seu autor. Trata-se da “A Ponte do Rio Kwai” que, igualmente, rendeu vários Oscars aos que participaram do filme. Dessa vez, o escritor também ganhou uma estatueta, mas não propriamente em reconhecimento ao seu talento, mas para “quebrar o galho” da Academia de Cinema de Hollywood.
Explico. Na ocasião em que o filme foi apresentado como candidato à premiação, o mundo testemunhava, atônito, o auge da guerra fria. Nos Estados Unidos, estava em pleno andamento a “caça às bruxas” do macartismo, que caçava “comunistas” por toda a parte, como se estes fossem monstros perigosíssimos e letais (era isso, por linhas transversas, que os meios de comunicação norte-americanos passavam ao público).
O roteiro de “A Ponte do Rio Kwai” havia sido adaptado pela dupla Carl Foreman e Michael Wilson. Mas estes, a Academia não premiaria nem com reza brava. Por que? Porque ambos eram suspeitos de serem “simpatizantes do comunismo”, o que, na ocasião, era considerado delito “gravíssimo”. Na verdade, nem eram.
A Academia resolveu a questão dando o Oscar de Melhor Roteiro Adaptado ao autor do original, Pierre Boulle. Claro que na França esse escritor era e é conhecidíssimo. Além de publicar 24 livros, entre ficção e não-ficção, foi herói de guerra durante a 2ª Guerra Mundial. Na ocasião, trabalhava como engenheiro (sua profissão original) na Malásia. Tão logo o conflito começou, uniu-se à Resistência, ao Movimento França Livre, liderado, no exílio, pelo general Charles De Gaulle.
Fez mais. Serviu como agente secreto em vários países da Ásia sob o codinome de Peter John Rule. Foi condecorado com praticamente todas as principais medalhas existentes na França. Estão vendo? Como vocês conseguiram esquecer um sujeito destes? Mas, para fazer-lhes justiça, tenho certeza de que, se não se lembraram do autor, tinham e têm suas obras mais famosas bem na ponta da língua. Estão vendo como não exagerei quando afirmei que isso acontece, e com freqüência?

Boa leitura.

O Editor.

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