quarta-feira, 25 de novembro de 2009




O falso perfeito

* Por Marcos Alves


Certa vez um vizinho disse estar satisfeito simplesmente por respirar. “Acordo e quando percebo que estou vivo, agradeço a Deus. O resto é lucro”. Assim como eu, ele tem filhos e obrigações como: pagar escola, aluguel, supermercado, farmácia.

Além disso, deve se preocupar com o futuro das crianças, todo pai se preocupa com os filhos. Daí ter as mesmas dificuldades que milhares de pessoas, mas... por que ele não se queixa?

Também gostaria muito de chegar a esse estado de satisfação, completude, convencer-me de que está tudo bem, a vida é boa e que qualquer coisa diferente de estar feliz por estar vivo é frescura ou coisa que o valha.

Fiquei a pensar como seria a vida desse meu vizinho. Como só o vejo nos finais de semana, a imagem que fica é a de sujeito boa praça, sem maiores vaidades e que sabe levar as coisas sem ficar a se aborrecer à toa. Mas quem deve saber mesmo é a mulher dele, os filhos e amigos próximos.

Eu também acho uma boa estar vivo e acredito que é melhor viver sem complicar muito. Ficar reclamando o tempo todo só torna tudo pior, embora em alguns casos seja necessário. Afinal, fechar os olhos para todos os problemas não é sinal de sabedoria; é fuga ou, no mínimo, displicência.

No extremo oposto desse meu vizinho existe outra categoria de pessoas que implicam com tudo. Com esse tipo de gente não há acordo, é tolerância zero. A menos que o erro seja dele. Nesse caso, surge uma nova faceta, a do dissimulado.

Esse tipo quase perfeito, que prefiro chamar de ”falso perfeito”, geralmente é encontrado no local de trabalho. Ele se beneficia dessa espécie de hipocrisia corporativa existente em todo lugar onde há um chefe, um ou dois puxa-sacos, meia dúzia de iniciantes ambiciosos, uma secretária burra (com sorte, gostosa) e quatro ou cinco funcionários água com açúcar – daqueles que não interferem, servem apenas para formar quorum.

Essa composição é ideal para um “teatro do oprimido” tosco, recheado de insinuações, grosserias, teorias risíveis sobre jornalismo e outras baboseiras. Há quem fique profundamente impressionado, é o chamado assédio moral, do qual são vítimas os pobres diabos que morrem de medo de perder o emprego. A essa tarefa, os “falsos perfeitos” se entregam com prazer indisfarçável.

Mas nem todo dia é do caçador. Sempre chega o momento em que essas almas inseguras sofrem por não conseguirem camuflar as próprias limitações. Nessa hora cai a máscara, mas como o quintal é dele... pano rápido, nada acontece.

O falso perfeito também existe fora das empresas, mas tem as asinhas curtas. Quando não há interesse definido, cargo, salário ou posição, fica muito mais fácil distinguir sabedoria de babaquice – basta os interlocutores certos. Mas aí já é outra estória.

*Jornalista, www.marcos-alves.blogspot.com

3 comentários:

  1. Então estou na minha pior fase...meu faro para detectar falsos perfeitos está tinindo. E, para não me tornar a antipática da vez, deixo-os acreditarem que são "espertos" demais, até para mim...
    Ótimo texto Marcos
    beijos

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  2. Obrigado, Núbia. É bom manter os olhos e ouvidos abertos com essa turma...

    Beijos

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  3. " Os falsos perfeitos" são verdadeiras malas sem alça.
    Servem de teste para a nossa paciência.
    Hoje faço, ou pelo menos, tento fazer como a Núbia : Deixo que pensem que são os " espertalhões"....adianta argumentar ???
    Deixa pra lá..
    Como dizia um amigo meu : É a proliferação da mediocridade...ou como diz uma frase sensacional do Nelson Rodrigues...." O grande acontecimento do século foi a ascensão espantosa e fulminante do idiota ....
    E continua, Marco e continua.....
    Beijão !

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