segunda-feira, 23 de novembro de 2009




Coisas de Brasília

* Por Aliene Coutinho

O
utro dia ouvi essa e não acreditei: “em Brasília, até cachorro atravessa na faixa de pedestre”. Pensei que era lenda urbana, como tantas outras que se inventam e acabam virando verdade. Mas, eu vi, e não foi apenas uma ou duas vezes. Eram cachorros de rua, vira-latas mesmo. Eles param na calçada, só faltam fazer o sinal de vida, e atravessam cheios de segurança, e os carros esperam eles atravessarem. Como disse um conhecido meu, “deve ser porque não tem nenhum animal ao volante”.

Brasília tem dessas coisas que até passam despercebidas para quem mora há muitos anos na cidade, mas se revelam aos olhos de quem acaba de chegar. Uma amiga, há dois anos na Capital, sempre tem uma peculiaridade para apontar. De acordo com ela, aqui se faz fila para tudo, para entrar no elevador, para entrar no teatro com cadeira marcada, para comprar sorvete num dia quente, e para pegar ônibus. Isso, então, a deixou impressionada: fica todo mundo direitinho, um atrás do outro, sem empurra-empurra. O ônibus chega, entra até o limite de passageiros e quem ficou de fora espera o próximo, na fila, sem reclamar.

E ela desfia um rosário de manias candangas, que ela considera o máximo da civilidade: ninguém joga lixo pela janela do carro – ninguém é muito, mas a maioria é educada e respeita uma lei distrital que multa quem for pego sujando as vias públicas. Motoristas param na faixa de pedestres para pedestres e cachorros. Os bares com música ao vivo, ou mecânica, próximos a casas e blocos residenciais, desligam o som à meia-noite em ponto, pelo menos, no Plano Piloto, que por sinal, nunca deve ter visto uma galera amanhecer num boteco. Esses só ficam abertos até as duas da matina. Com a lei seca, ficou pior. Em Brasília, ela é levada mais que a sério. Sair para beber só com o amigo da vez, aquele que não bebe e vai levar o carro de volta.

Pode parecer bairrismo, mas vale lembrar que sou tão forasteira quanto minha amiga, mas moro há muitos anos aqui, e talvez por isso, cada vez que escuto alguém dizer o quanto é diferente em outras cidades, tenho de buscar na memória experiências desagradáveis que passei por achar que o que acontece em Brasília é normal, é padrão. Uma vez, de férias em Fortaleza, achei que era só estender o braço para atravessar a rua. Quase fui atropelada na faixa de pedestre e o motorista ainda me xingou.

Brasília já foi manchete de jornais com escândalos políticos, com casos de jovens de classe média envolvidos em crimes, ou que viraram assassinos por brincadeiras sem graça e por não terem limites, mas quando se ouve alguém de fora falar, mesmo criticando, que a cidade tem regras demais, ainda acredita-se que mesmo com toda explosão populacional, com gente de todas as partes do país, ainda é possível ser cidadão, respeitar o direito de ir e vir, e principalmente os limites de cada um.

É nessa cidade que vivo mais da metade de minha vida, que tive meus filhos e os crio. É nela que descubro que ainda temos paz, mesmo que a indignação dos jovens diante do que não parece coisa de Brasília, seja expressa assim: porra, caralho, véi, tipo assim, vou te falar, sem noção, ninguém merece!

* Jornalista e professora de Telejornalismo

3 comentários:

  1. Só estive em Brasília uma única vez e foi de passagem. Não conheço os hábitos, manias e nem mumunhas dessa terra.
    Sou o que se pode chamar de "carioca da gema". Acredito que se somos acolhidos pelo lugar, fica mais fácil perceber que entre os seus contrastes há belezas, riquezas, sensibilidades...
    Ótimo texto.
    beijos

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  2. Aliene

    Só estive em Brasília uma vez e também amei a cidade. Meu grande sonho era conhecer a catedral que ilustra sua crônica. Fiquei tão encantada que escrevi alguns haicais inspirada em Brasília.
    Um deles é sobre a catedral.
    Adorei saber que ela é assim no dia a dia.
    Beijos

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  3. Risomar, Nubia...
    Brasília é mesmo apaixonante qdo nos permitimos conhecê-la. Fiquem à vontade para voltar e contem comigo como cicerone!

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