terça-feira, 20 de outubro de 2009


Prazer ou obrigação?

Caros leitores, boa tarde. Diz-se, amiúde, por aí, com ares de dogma, que para fazermos bem alguma coisa, qualquer coisa, é indispensável que gostemos do que fazemos. Vou bancar o chato e, mais uma vez, contradizer uma afirmativa, no caso esta. Não se trata de regra universal e infalível que não comporte exceções. Aliás, toda a regra tem lá a sua. E por que esta não haveria de ter?
Conheço pessoas que detestam o que fazem, mas executam bem o que lhes compete fazer. Fazem-no por obrigação, para honrarem compromissos assumidos e não decepcionam quem confia nelas. Tenho um amigo escritor que é assim. Conheço-o há anos e sei que detesta escrever. Por que esse espanto? O mais curioso é que tem um talento fantástico para a literatura. Tamanho, que extrapola sua vontade.
É autor de vários livros e nenhum encalhou nas prateleiras das livrarias. Tem contrato bastante extenso com uma editora de porte médio e nunca deixou de cumpri-lo. A cada seis meses, “comparece” com um novo livro e cada um é melhor do que o outro. Porém... detesta escrever.
Trata-se de um sujeito alegre, de bem com a vida, que aprecia tudo o que de bom ela tem para nos proporcionar: boa comida, bebidas de refinado gosto, mulheres bonitas, amizades fraternas etc.etc.etc. Está sempre sorrindo e, invariavelmente, tem uma anedota inteligente e engraçada na ponta da língua.
É dos raros escritores no País que sobrevive de literatura. Como se vê, é um cara bem-sucedido e conhecidíssimo (não vou revelar quem é, para não perder sua amizade, pois sou daqueles que contam o “milagre”, mas não revelam o “santo”).
Lá um belo dia, no entanto, esse meu amigo muda bruscamente de comportamento. Fica mais calado, não raro até taciturno, não participa das patuscadas da turma (essa “patuscada” fui buscar lá no fundo do baú), e volta e meia percebemo-lo distraído, como que fora do mundo. Nessas ocasiões, invariavelmente, ele se confessa “grávido”. Grávido de um novo livro.
Afasta-se de nós por algumas semanas e quando retorna ao nosso convívio, é como se nunca tivesse mudado. Volta a ser o mesmo sujeito alegre de sempre, amante de boa comida, de bebida de refinado gosto, de mulheres bonitas e retorna com anedotas inteligentes e engraçadíssimas na ponta da língua. Passado algum tempo, ficamos sabendo que emplacou outro sucesso literário. E ele jura que detesta escrever.
Não tem blog e nem site na internet, recusa-se a colaborar com os que os têm, a muito custo consegui arrancar uma crônica dele para o jornal em que trabalho e evita de se expor. Convidei-o para ser colunista do Literário e, por muito pouco, ia perdendo um amigo. Ficou uma fera comigo e disse para eu não mais chateá-lo. Não o chateei, claro.
Fora do período de “gravidez”, quem não o conheça bem, jamais acreditará que se trate de um escritor, e dos consagrados. Mas é. E vem emplacando sucesso após sucesso, e sem gostar de escrever. Como explicar isso? Sei lá!
Guardadas as devidas proporções, sou mais ou menos como esse meu esquisito amigo. Sou alegre, aprecio todos os prazeres da vida – boa comida, bebida de refinado gosto, mulheres bonitas, amizades fraternas etc.etc.etc. – e tenho sempre uma anedota na ponta da língua (só não sei se tão engraçadas como as dele). Lá um belo dia, também, sinto os sintomas da “gravidez” de um novo livro. Mas nossas semelhanças param por aí.
Ao contrário dele, não tenho como me afastar para um “parto” tranqüilo e sem ser incomodado por ninguém. O nascimento de um novo livro ocorre publicamente, em meio a mil e uma atividades, nos intervalos entre uma e outra.
Tenho uma infinidade de compromissos a cumprir e, estejam certos, cumpro-os todos à risca. Mas essa não é a nossa principal diferença. Ao contrário do meu ilustre amigo, gosto de escrever. Não faço o sucesso dele, mas também não tenho do que me queixar nesse aspecto. Como se vê, não é o prazer pelo que se faz que determina o êxito ou o fracasso. É o talento. E este você pode ter gostando ou não de tê-lo.

Boa leitura.

O Editor.

3 comentários:

  1. Nossa, Pedro, acho tão estranho isso. Já ouvi varios escritores dizerem que "escrever é muito sofrido", mas que gostam de escrever. Agora, esse seu amigo...
    Não entendo as pessoas que escrevem sofrendo. Pra mim, escrever é a coisa que me causa mais felicidade. Entro em êxtase quando consigo imaginar e escrever uma historia, ou um poema. Mas é claro, as pessoas são muito diferentes...
    Abraços
    Risomar

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  2. Eu também sinto uma satisfação danada de escrever. Por isso, mesmo contando com pouquíssimo tempo, e nem sempre sendo apreciado, escrevo tanto, querida Ris. Por estranhar a atitude (e os resultados que obtém) desse meu amigo, é que trouxe o caso dele à baila, aqui no Literário.

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