sábado, 24 de outubro de 2009




Mania de solidão

Por Cesare Pavese

Como um jantar frugal junto à clara janela.
Na sala, já está escuro, mas ainda se vê o céu.
Se saísse, as ruas tranqüilas deixar-me-iam
ao fim de pouco tempo em pleno campo.
Como observo o céu – quem sabe quantas mulheres
estão a comer a esta hora – meu corpo está tranqüilo,
o trabalho atordoa o meu corpo e também as mulheres.

Lá fora, depois do jantar, as estrelas virão tocar
a terra na larga planura. As estrelas são vivas,
mas não valem estas cerejas que como sozinho.
Vejo o céu, mas sei que entre os tetos de ferrugem
brilha já alguma luz e que, por baixo, há ruídos.
Um grande gol e o meu corpo saboreia a vida
das árvores e dos rios e sente-se desprendido de tudo.
Basta um pouco de silêncio e as coisas imobilizam-se
no seu verdadeiro lugar, como o meu corpo imóvel.

Cada coisa está isolada ante os meus sentidos,
que a aceita, impassível: um cicio de silêncio.
Cada coisa, na escuridão, posso sabê-la,
como sei que o meu sangue circula nas veias.
A planura é água que escorre entre a erva,
um jantar de todas as coisas. Cada planta e cada pedra
vivem imóveis. Escuto os alimentos e eles alimentam-me as veias
com todas as coisas que vivem nesta planura.

A noite importa pouco. O retângulo do céu
sussurra-me todos os fragores e uma estrela miúda
debate-se no vazio, longe dos alimentos,
das casas, distinta. Não se basta a si mesma
e precisa de muitas companheiras. Aqui no escuro, sozinho,
o meu corpo está tranqüilo e sente-se soberano.

Um comentário:

  1. Pavese é grande entre os grandes, vem do tempo em que poesia tinha palavras, muitas. Ah, e como tudo fazia enorme sentido, então!

    ResponderExcluir