quarta-feira, 21 de outubro de 2009




Isso é coisa de...

* Por Fernando Yanmar Narciso

N
ão raras são as ocasiões em que, enquanto tento coordenar as idéias para alguma crônica, fico pensando “será que essa frase vai comprometer minha masculinidade?”, “o que eles vão pensar de mim depois de ler isso?”. Eu sei que o que mantém um blogueiro são as opiniões que as pessoas têm sobre as suas, mas eu tenho um defeito grave: não consigo lidar bem com uma crítica negativa. Talvez não devesse me importar com esse tipo de coisa, mas é quase inevitável me preocupar com minha imagem em meio a essa sociedade machista e preconceituosa. Minha mãe nunca me ensinou nenhum preconceito, mas o mundo ao meu redor me moldou à sua imagem e semelhança.

A pergunta pode parecer sem cabimento à primeira leitura, mas conseguem imaginar aonde o mundo teria chegado se não existissem as generalizações e os estereótipos? Mais que o dinheiro e o sexo, o preconceito é a mola mestra da sociedade. Não existe pessoa que não seja preconceituosa. Diariamente, somos bombardeados com toda a classe inimaginável de discriminações e piadinhas de mau gosto. Vai dos clássicos como “mulher não sabe dirigir”, ”baiano só sabe dormir e pular atrás do trio elétrico” e “mineiro é desconfiado de tudo e só come queijo e couve” a coisas escabrosas como “negros só se chamam uns aos outros de irmãos porque nenhum conhece o próprio pai”.

Qualquer homem que já conheci teve desde o minuto que nasceu um curso intensivo de macheza com os pais, com duração de 25 anos.

Ficou registrado em nosso subconsciente que homem pra ser homem tem de falar gritando, cuspir no chão, matar em nome do time de futebol, adorar cachaça e idolatrar cerveja, curtir uma boa porrada, limpar a boca na manga da camisa, feder muito, coçar o saco, conseguir peidar e arrotar as letras do alfabeto e sentir orgulho do número de mulheres que já comeu. Se por um acaso faltar um desses itens no inventário, você é gay. E que todo gay gosta de música romântica, comida “étnica” e macrobiótica, roupa florida e/ou de cores gritantes e musicais da Broadway. Tem de ser magro, solteiro e sem um único amassado na roupa. Se é gordo, casado e largado, gosta de ouvir Cannibal Corpse e dos filmes do Schwarzenegger, trate de largar a mão desse cara aí.

Antes de o Obama aparecer, ser negro era sinônimo de ser pobre, ladrão, pagodeiro, jogador de futebol ou maratonista – devido à força dos quenianos. Negro americano só podia ser porteiro, motorista de ônibus, traficante, jogador de praticamente todos os esportes e rapper tarado. Se porventura você fosse negro e tivesse se tornado um médico, um advogado ou um cientista, logo o tachariam de “traidor do movimento” e o desprezariam.

Graças a Hollywood, boa parte dessas generalizações foram passadas de geração a geração. Os filmes nos ensinaram que todo sul-americano é feio, pobre e mora em barracos empilhados num barranco com vista paradisíaca, todo mexicano é neurótico, mulherengo e dorminhoco, todo francês é mal-educado e não gosta de tomar banho, todo chinês sabe lutar kung-fu, todo italiano é esquentado e trabalha pra Máfia, todo negro americano é barulhento, maconheiro, só se tratam uns aos outros como muthafucka e biatch, vende crack e canta hip- hop. Mais que aprender tudo isso, acabamos perpetuando esses preconceitos. Com os filmes pornôs, aprendemos que a primeira transa tem que ser com um mulherão, e que toda gostosa é boa de cama.

Se as pessoas quisessem mesmo mudar o mundo, teriam acabado com essas generalizações, ao invés de abraçar todos esses estereótipos horrorosos e continuar metralhando-os ad nauseum, como continuamos fazendo. Assim como as cidades e o custo de vida, o culto ao preconceito só cresce... embora na superfície façamos o jogo do politicamente correto.

* Colaborador do Literário

Um comentário:

  1. Uma lista com a dose certa de constatação e mea culpa. Chega perto da acidez do humor-negro, mas é o que vemos por aí e por aqui. Melhor ficarmos atentos para não nos perdermos em nossos próprios pensamentos.

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