quarta-feira, 28 de outubro de 2009




A defunta de minha vizinha

* Por Seu Pedro

Mais uma “Dia de Finados” vem aí... Diferente dos dias das mães, dos pais, das crianças, das sogras, enfim cada um dia dos vivos, no de finados não preparamos feijoadas, carnes assadas e nem mesmo macarronadas. Costumamos comer o de costume. Afinal é um dia diferente, em que se reúnem as almas penadas e não penadas de um cemitério com os vivos saudosistas, geralmente à beira de um túmulo ou mausoléu todo enfeitado de flores naturais, que logo irão morrer, ou tão artificiais quanto as visitas de alguns. É o dia dos coveiros terem a paciência torrada por aqueles que de ano em ano lembram que tiveram mãe, pai, marido ou mulher. Alguns aproveitam e vão à visita acompanhadas ou acompanhados com a substituta ou o substituto.

A porta do cemitério se transforma em uma agitada feira, em que se destacam três comércios: floristas, veleiros, e pedintes. Há, ainda, o setor de prestadores de serviços; capinadores, pintores e outros enfeitadores de túmulos, sem falar nos quebra-calor com seus carrinhos de picolé empurrando nossas pernas. Os contratados nem perguntam se os vasos para as flores estão harmônicos com a sepultura, ou se a cor escolhida para a caiação é de agrado do hospede. Em alguns dos campos santos vão tantos pecadores, que a movimentação financeira faz inveja a muitas bolsas de valores neste tempo de crise.

Os mistérios que cercam a morte são tantos que contemplam a qualquer raciocínio. Pense como é um paraíso e ele será como você imaginou. Há quem imagine uma legião de anjos com suas asinhas de penas brancas espargindo bênçãos a eles confiadas por nosso magnífico Deus. Também é o dia, segundo alguns, dos espíritos machos, fêmeas e de terceiras hipóteses, vagarem pelos caminhos floridos, pedindo orações. Alguns tão famintos, que as orações do ano passado já fizeram digestão. Cada um oferece o que tem. O importante é voltar para casa com a sensação de que o dever foi cumprido.

É tudo neste dia de alegria, digo de tristeza, pois, afinal, quem não gosta de ter um defunto para visitar neste dia? E foi assim que Ambrósia, já nos sessenta anos, veio morar na cidade, longe de onde ficaram as sepulturas de seus pais e avós. Sentia-se só nos dias em que a movimentação da rua em direção ao Bairro do Paraíso, mesmo sem endereço certo, engrossava o séqüito. Lá, olhando a cidade dos mortos, viu como se parece com a dos vivos: casas bem cuidadas, outras com fachadas relaxadas, umas de dois ou três andares, outras de terra batida.

Seus olhares percorreram as ruas e vielas, e lá estava uma sepultura de uma viúva pobre, de chão pisado, cujos filhos e outros parentes esqueceram. Daquele dois de novembro à frente, Ambrósia já tem a quem visitar. Virou freguesa dos barraqueiros, compra flores e velas e traz seu terço tradicional. Fizeram grande amizade, ela e a viúva morta. E agora toda cidade sabe que minha vizinha tem a sua própria defunta!

* Seu Pedro é o jornalista Pedro Diedrichs, editor do jornal Vanguarda, de Guanambi, Bahia.

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