sexta-feira, 19 de junho de 2009




Simonal, a reabilitação

* Urariano Mota

Com o filme "Simonal - Ninguém sabe o duro que dei", começou a reabilitação de Wilson Simonal. Não se conclui outra coisa, quando se lêem os artigos publicados em todo o Brasil. Em todos os jornais, os críticos mais parecem uma orquestra afinada para uma só composição, para um só samba de uma nota só. Em toda a mídia se repetem as saudações ao documentário, à sua imparcialidade, etc. etc.
Na Folha de São Paulo, no texto com o título épico "Simonal refaz saga do cantor", entre outras coisas se escreve:
"Aconteceu no final de 1971. Por suspeitar que estivesse sendo roubado, o cantor teria mandado bater no contador de sua empresa. Só que o homem vai parar no Dops (Departamento de Ordem Política e Social, hoje extinto), onde é torturado. Não demora até que os jornais liguem as pontas -não necessariamente cobertos de verdade- e publiquem a manchete: ‘O cantor Wilson Simonal é informante dos órgãos de segurança do Estado’...
Mais que biografar a ascensão e queda meteóricas de um ídolo - e isso é feito de maneira empolgante-, o documentário reescreve a saga de Simonal para que, conhecendo finalmente sua história, o Brasil possa absolvê-lo de coisas que talvez ele nem sequer tenha feito".
Observem que:
1. O cantor "teria mandado bater no contador". Teria, em lugar de Mandou.
2. "...o homem vai parar no Dops (Departamento de Ordem Política e Social, hoje extinto), onde é torturado". Por acidente, ele foi parar no Dops. 3. "...o documentário reescreve a saga de Simonal para que, conhecendo finalmente sua história, o Brasil possa absolvê-lo de coisas que talvez ele nem sequer tenha feito." Absolvê-lo... Não demora, a família entrará com processo na Anistia.

Por falar em Anistia, artigo no Jornal do Commercio, do Recife, é mais explícito:
"A chance de anistia de Simonal - Filme conta história de cantor que morreu com fama de dedo-duro, mas foi mesmo uma vítima da intransigência ".

No UAI, de Minas, a reabilitação continua:
"Nos dias de hoje, a maioria das pessoas que conhecem o assunto acredita na tese de que Wilson Simonal foi derrubado por uma rede de boatos, somada a preconceitos raciais e sociais que levavam, em muitos grupos, a um estado de desconforto frente ao sucesso do cantor. Simonal pende nitidamente para este lado."

No JB, do Rio, o mesmo samba:
"Com um design e produção impecáveis, o trio de diretores Cláudio Manuel, Micael Langer e Calvito Leal tenta também trazer à tona a perseguição que o cantor sofreu, após a suspeita de que ele estava a serviço do Dops, na época da ditadura. Recheado de entrevistas, o filme tem o mérito de ser, em grande parte, imparcial. Mas faltam depoimentos e nomes de artistas que efetivamente promoveram o boicote”...

Numa montagem esperta, o papel de bicho-papão ficou só com os jornalistas do Pasquim que participam do filme: Sérgio Cabral, Ziraldo e Jaguar. Este último, em destaque, é colocado pela edição nos momentos antagônicos, em contraponto a considerações positivas sobre o cantor. Seria alguma forma de revanche? O público é quem decide. "
Em O Globo, entre outras louvações, transcrevem-se as palavras de Nelson Motta, "Simonal virou um tabu, um leproso, um pária..." Mas o modo mais parcial vem do Guia da Semana, de São Paulo, em editorial(!):
"No início da década de 70, Simonal percebeu que estava sendo roubado por seu contador. De pavio curto, o cantor contratou um grupo para dar uma surra no traidor. Porém, o episódio envolveu agentes do Dops, e o obscuro fato fez com que se espalhasse a notícia de que o músico era informante do regime militar. Sem provas contra ou a favor do artista, Simonal foi condenado ao ostracismo, morrendo como um desconhecido em 2000."

Parece ter desaparecido no espaço o texto de Mário Magalhães, quando era ombudsman na Folha de São Paulo, em 30 de março de 2008:

"A verdade: em 1974, Simonal foi condenado por surra dada em um contador. No processo, levou como testemunha sua um detetive do Departamento de Ordem Política e Social do Estado da Guanabara. Ele assegurou que o cantor era informante do Dops.

Outra testemunha de defesa, um oficial do 1o Exército, jurou que o réu colaborava com a unidade. O juiz sentenciou: Simonal era ‘colaborador das Forças Armadas e informante do Dops’. Em 1976, acórdão do Tribunal de Justiça do RJ reafirmou a condição de ‘colaborador do Dops’.

Não foram inimigos que inventaram a parceria com o regime, exposta sem reservas pelos amigos de Simonal, que se dizia ameaçado por gente ligada ‘a ações subversivas’ ".
Pelo andar da carruagem, não demora, vão fazer um documentário que absolva o cabo anselmo. Com a repercussão em uma só nota de toda a imprensa. Como agora, no filme desta semana: Simonal, a reabilitação.

* Jornalista e escritor

Um comentário:

  1. Há sempre o lado de lá e o lado de cá. Os ferrenhos defensores da direita incham o peito e falam claramente de que lado estiveram: contra os terroristas. Também os da esquerda, e mais ainda o fazem, cantam em altos brados que a liberdade de hoje deve ser creditada a eles, que tanto fizeram pela volta da democracia. E para isso sofreram na pele toda a sorte de mazelas. Defender Simonal de um pensamento que ele teve, desmentir atitudes que ele executou, parece-me sem pé nem cabeça. Cada um é o que é, e faz o que lhe parece certo. Então para que tentar mudar a história? Vergonha não é ser de direita, é sê-lo e depois, alguém vir desmanchando os rastros, e sem querer fazendo outros ainda mais feios.

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