segunda-feira, 22 de junho de 2009




Segredo de Família

* Por Celamar Maione

Final de expediente. Horácio bebia com os amigos num bar no Centro da Cidade quando olhou para a mesa perto do banheiro e engoliu em seco: “O que a filha da puta da Ritinha tá fazendo aqui com outro homem? “. Deixou os amigos conversando e se aproximou da mesa em que estava a esposa. Segurou-a pelo braço:
- Quem é esse cara? Tá pensando que eu sou o quê? Me traindo na minha cara?

O acompanhante da mulher se levantou aborrecido.
- Qual é a sua? Quem é você?
- Sou o marido dela .
- Marido? Não sabia que você era casada!

A mulher se levantou colocando a mão na cintura.
- Que história é essa de marido? Nunca vi você na minha vida!
- O que é isso Ritinha? Tá me estranhando?
- Quem está me estranhando é o senhor. Nunca o vi. Por favor, retire-se ou chamo o segurança.

O garçom se aproximou.
- Algum problema?

Para evitar escândalos, principalmente na frente dos colegas de trabalho, Horácio disfarçou:
- Não é nada. É apenas uma dúvida que estou tirando.

A mulher mexeu nos cabelos nervosamente e olhou de lado para Horácio.
-Então faça o favor de se retirar .
- Ritinha, pára de palhaçada. Vamos embora juntos.
- Já lhe disse que meu nome não é Ritinha.

O acompanhante chegou mais perto de Horácio.:
- Ela não se chama Ritinha. E se o senhor não se retirar agora, vou chamar o segurança.

Em dúvida, Horácio voltou a sentar-se com os amigos.
- E aí, Horácio? Conhecidos?
- É. É – respondeu sem graça e cabisbaixo.

Passou o resto da noite calado. “Será que bebi demais?” – pensou. “ Amulher é a cara da Ritinha”. Chegou em casa dez da noite. Ritinha estava na sala lixando as unhas.
- Isso são horas?
- Eu é que pergunto se tenho cara de palhaço! Tenho?
- Você está se sentindo mal Horácio? Que história é essa?
- Ritinha, me diz a verdade. Juro, não vou brigar com você. Seja sincera!
- Que verdade?
- Juro que não brigo com você.
- Tá vendo o que dá beber demais? Pode me contar o que está acontecendo?
- Eu vi você no bar do Aníbal com outro homem e você disse que você não era você.
- Surtou, Horácio?
- Era você, né? Fala. Não vou brigar.

Ritinha passou a língua pelos lábios, coçou a cabeça e fez cara de suspense. Horácio insistiu:
- Era você?
-Não. Era a Regina!
- Regina? Que Regina? Não conheço nenhuma Regina.

Ritinha começou a chorar. Olhou para a televisão apagada e perdeu-se em pensamentos.
O marido sacudiu a mulher :
- Fala, quem é Regina?
- Minha irmã gêmea.
- Você nunca teve irmã gêmea.
- Era segredo. Minha mãe me fez prometer que eu nunca contaria nada. Quebrei a promessa.
- Mas por quê? Sou seu marido. Quero saber de tudo!
- Mamãe deu a Regina para outra família quando fizemos um ano. Não podia ficar com as duas.

A mulher contou chorosa a triste história da família. Comovido, Horácio desculpou-se com a esposa pelas desconfianças. No dia seguinte, enquanto tomavam café, o marido comentou:
- Se eu encontrar a Regina novamente, vou falar de você, tá bom?
- Nunca! Ela não sabe da minha existência. Não perdoaria mamãe.
- Ela vai ficar feliz quando souber que tem uma irmã gêmea – argumentou.
- É um segredo de família. Morre aqui.

Horácio chegou no trabalho frustrado. Queria reaproximar Ritinha e Regina. Durante uma semana, depois do expediente, passava no bar, esperando encontrar a gêmea da esposa. Um mês depois, quando andava pela Sete de Setembro, viu a gêmea saindo de uma loja . Aproximou-se, segurando-a pelo braço:
- Desculpe, não sei se lembra de mim. Bar do Aníbal.

Ela fechou o rosto :
- Lembro . O que o senhor quer dessa vez?
- Desculpe, Seu nome é Regina e não Ritinha. O garçom me contou – mentiu.
- Tá desculpado.
- Para eu acreditar nas suas desculpas, aceita tomar um café?

Sentaram-se num bar perto do metrô. De início estavam encabulados. Meia hora depois pareciam íntimos. Passaram a se encontrar durante o almoço às sextas-feiras. Horácio impressionava-se com Regina. Achava a gêmea mais bem-humorada que a esposa. Manteve os encontros em segredo. Numa quinta-feira, no final da tarde, Regina o convidou para um happy hour. Aceitou. Encontram-se. Sorridente, Regina mostrou:
- Trouxe uma coisa e quero que você veja!

Tirou da bolsa um baby doll vermelho.
- Que tal? É bonito? – disse com um ar ingênuo cheio de sensualidade.

Horácio ficou confuso. Ele e Ritinha não faziam sexo há quase seis meses . “Fazer sexo com a irmã gêmea dela?” – pensou. “Não, loucura. loucura”. Ela tomou a iniciativa. Ele seguiu os instintos. Quando percebeu, estavam subindo as escadas de um motel no centro da cidade. Entraram no quarto em silêncio. Regina vestiu o baby doll. Viveram momentos de prazer. Oito da noite. A mulher olhou o relógio, assustada:
- Tenho que ir pra casa, meu marido me espera!
- Quando vamos nos ver novamente? – perguntou Horácio com ar apaixonado.
- Semana que vem. Já vou. Tenho pressa.

Despediram-se. Horácio foi tomar banho sonhando com novo encontro. A mulher entrou no táxi e deu o endereço :
- Rápido, moço. Por favor.

O celular tocou . Atendeu contrariada :
- Fala mãe!

A mãe gritava. A mulher deu um sorriso e respondeu calmamente:
- Quem é Regina???? Ahhhhhhh mãe, já sei, o Horácio foi falar com você?!
-Sim e eu quero saber quem é Regina . Você nunca teve irmã.
- O que você falou com ele, mãe?
- Nada. Disfarcei e não respondi nada.
- Então fica calma. Amanhã lancho com a senhora e conto tudo. É uma longa história.

O táxi chegou. Ritinha pagou o motorista e saiu do carro cantarolando!

*Radialista e jornalista, trabalhou como produtora, repórter e redatora nas Rádios Fm O DIA, Tropical e Rádio Globo. Foi Produtora-Executiva da Rádio Tupi. Lecionou Telemarketing, atendimento ao público e comportamento do Operador , mas sua paixão é escrever, notadamente poesias e contos.

5 comentários:

  1. A mulher que se desdobrou em amante e manteve o casamento com um homem que gostava de ciscar fora. Bom pra ele, bom pra ela. Ou assim é, se lhe parece. Boa tacada, Cel! Algo de Buñuel nas entrelinhas, talvez pela proximidade com o fantástico. Parabéns!

    ResponderExcluir
  2. Santa imaginação, Cel! Eu caí como Aníbal na conversa de Ritinha! Parabéns, amiga, por mais um dos seus contos supreendentes e bem escritos. Beijos

    ResponderExcluir
  3. Excelente tirada, numa coisa meio louca de tentar ser o que não se é. Como a mesma pessoa pode ser outra, desde que queira. E como o proibido excita e torna a vida mais interessante para algumas pessoas. Foi uma pegadinha e tanto. Aníbal caiu, e os seus leitores também Celamar.

    ResponderExcluir
  4. Adorei Celamar
    Que historia ótima.Pode servir de exemplo a muitas mulheres que veem seus casamentos cairem na monotoni.
    Beijos

    ResponderExcluir