segunda-feira, 29 de junho de 2009




É preciso envelhecer com dignidade

* Por Mara Narciso

Uma senhora evangélica da Congregação Cristã do Brasil era uma convertida recente. Trabalhou muitos anos em São Paulo, e mostrava uma boa conversa. Queria seguir toda a doutrina, deixando a vaidade de lado, mas percebeu que no banco era encaminhada para a fila dos idosos, mesmo aos 55 anos. O motivo? Cabelos brancos. Quando pintava os cabelos, com o mesmo comportamento e vestuário, notava ser tratada com mais respeito, e utilizava a fila única. Então pediu licença ao pastor para colorir os cabelos, não para ficar bonita, mas por necessidade.

Uma moça contou que ia pela rua e à sua frente seguia uma mulher magra, elegante, bem vestida, de calças jeans justas e de marca cara, blusa de mangas longas, colada marcando uma cintura fina, e mostrando um fio de pele, que aparecia e desaparecia entre a calça e a blusa, à medida que ela andava. Os cabelos bem tratados, compridos e pretos, brilhavam ao sol daquela tarde. A cadência do gingar sobre os saltos altos mostrava bom porte e elegância. Mas quando a mulher foi ultrapassada, decepção: “era uma velha!”, a moça falou.

Ser magra, bem vestida e elegante em vez de ser motivo de elogio, é motivo de crítica. É bom procurar entender os motivos de a sociedade fazer esse tipo de julgamento. É preciso envelhecer com dignidade. Mas o que vem a ser isso? Deixar acontecer? Não interferir nas marcas da passagem do tempo? A vilã é a cirurgia plástica? Não se deve fazê-la, ou se deve utilizá-la até um limite? Qual seria esse limite? Quando é bom, e quando é ruim? Qual o momento certo para ser submetido a ela? E o Botox, Laser, ácidos e toda a parafernália de cremes anti-envelhecimento? As perguntas não são dirigidas aos profissionais da área, mas à sociedade leiga que faz análises do que vê. Alguém haverá de responder que o certo é o limite do bom senso. Pois é, assim como a inteligência, sobejamente distribuída a todos, já que não há ninguém que se julgue mal aquinhoado desse bem, o bom senso, dizem, todos possuem. E o uso de recursos para retardar a ação do tempo deve ser modulado por ele.

Aos mais radicais e que são totalmente contra todo e qualquer procedimento para aparentar mais jovem, pergunta-se: pintar os cabelos pode? Já foi dito que atitude rebelde é exatamente deixar os cabelos brancos, mas quem tem coragem para isso? Poucas aceitam esse desafio, é bem verdade, pois cabelos brancos numa mulher geralmente são encarados como ausência de vaidade, ou pior, que a mulher em questão entregou os pontos. Por outro lado, fazer ginástica é permitido? Ou se deve agir de forma natural, sem interferir de nenhuma maneira? Deve-se deixar a natureza agir livremente sem colocar um dedo que seja?

Ampliando o raciocínio, quem sabe não se deva deixar ao bel prazer do tempo todas as coisas? Será que não se deveria também largar as vacinas de lado, e não se prevenir? Afinal vacinar pode não ser uma coisa natural. E ainda, será que devemos não usar os antibióticos e deixar uma pneumonia evoluir ao seu tempo, sem ajuda externa? As bactérias encontram no indivíduo um arsenal de anticorpos. Melhor deixar que o organismo se cuide sozinho.

Vendo por esse prisma, se devem abandonar todos os confortos da civilização. Ou não? Interessante que até se pode pautar o raciocínio em cima de vivências alheias, mas quando chega a nossa vez, é que temos maior clareza da situação. As experiências dos outros servem muito, mas só se consegue fazer uma análise desapaixonada quando se vive coisa semelhante.

A utilização de recursos em todas as áreas vai do conhecimento e da posse de cada um. Utilizar de meios que sejam úteis para inserir a pessoa numa sociedade de consumo, onde é preciso ser eternamente jovem, magra e bonita, é tarefa das mais frustrantes. Mesmo com todos os procedimentos reinantes, é missão impossível; porém, se deve pelo menos tentar atenuar os acontecimentos, para se ter algum conforto emocional. Assim, quem quiser que os utilize, sabendo que é preciso esperar resultados bons, mas, nessa areia movediça, nem sempre o sucesso, mesmo que temporário, é a norma.

* Médica, acadêmica de Jornalismo e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”

8 comentários:

  1. Hoje, com o automatismo do fazer, o presente passa rápido: não se vive mais a duração! Há mais passado e futuro do que qualquer outro tempo e, assim, já não conjugamos o gerúndio. Quanto menos verbo na nossa boca, maior o comando em mãos alheias. Quem consegue se preservar realiza um dos atos mais revolucionários hoje possíveis.

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  2. Tentamos nos preservar desses esteriótipos, mas o preconceito teima em derrubar os velhos, especialmente as mulheres. Hoje me falaram, em tom ácido, que não há nada desperdiçado nesse mundo. Uma tal mulher, de 42 anos, uma velha, estava namorando um alto político da cidade( quem contava não disse, mas sei, pelo histórico, que o homem em questão tem perto de oitenta anos). E quem contava o caso, achava um absurdo ele querer a mulher. É isso daí.

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  3. Mara
    Não há nada que contente a sociedade. é como aquela istoria do Velho o rapaz o burro. Prefiro tingir meus cabelos, fazer ginástica, cuidar da pele.Tenho uma alimentação supr saudável, ao fumo, só bebo (pouco) raramente, leio e escrevo muito. Amo as pessoas. É assim que enquanto puder, luto contra a devastação do tempo, pois vivemos em um país em que os velhos são muito discrminados. É o mínimo que posso fazer.
    Beijos

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  4. Risomar, não é nem questão de queremos ter o que não é nosso,e nem de querermos ser o que não somos, apenas que tenhamos a devida consideração das pessoas. Até as próprias mulheres, vendo as suas limitações, discriminam a si mesmas. Um dia isso poderá reduzir-se, desde que ensinemos aos nossos filhos: respeitar a todos, sem nehuma discriminação. Obrigada pelo comentário.

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  5. Mara,
    Tenho 45 e meus cabelos são grisalhos desde os 27. Já me acostumei com as pessoas me julgando 10 anos mais velho por conta disso...
    Se para os homens não é fácil, para as mulheres a pena é dobrada. O cabelo branco masculino é charme, o feminino é senilidade. Triste, né? Gostei do texto e da bandeira levantada. Um beijo e parabéns.

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  6. Marcelo, recebi há pouco um comentário de uma amiga, ângela Colares, que foi minha colega na faculdade de medicina. Ela optou por não pintar os cabelos, e hoje, aos 53 anos e no segundo casamento, e muito apaixonada pelo marido me escreve sobre o texto acima: "Bacana seu texto amiga, quisera que o consumismo permitisse a verdadeira explosão da autenticidade! Andamos na contra mão da economia quando optamos por envelhecer suavemente ao invés de buscar incansavelmente uma juventude que já não nos pertence... Fico feliz de ter assumido meus cabelos brancos, e ainda assim ser feliz no encontro de pessoas amigas que respeitam meu caminhar... Somos produto do meio sim, mas também fruto de nossas escolhas. Ter consciência disso é fundamental para encontrar equilíbrio e felicidade.
    um grande abraço,
    sua amiga de sempre,
    Ângela"
    Como vê, já começo a suscitar discórdia. Marcelo, obrigada pelo apoio a minha causa: atenuar os sinais do tempo caso a pessoa queira; e ao seu ritmo.

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