quarta-feira, 20 de maio de 2009


Eu, minha ideia, Tinoco e seus olhos num vidro d’água

* Por Cacá Mendes

No último dia seis deste mês passando, agora de maio, fui ao lançamento da Virada Cultural Paulista, na Secretaria de Estado da Cultura... Eu que andei tão sumido desses encontros, dei de cara com tantas figuras que o bravo e inexorável tempo não desmanchou assim no ar, puro e simplesmente... Oxalá que assim nos mantivessem, nos por aís da vida, em passos sempre lentos, mas firmes de olhares, músculos e mentes. Oxa.

Entre beberes e comeres de gentes do meio artístico, em desfilares de burburinhos de coisas e tais, fui amansando meu espanto e jeito de quem ainda (depois de anos, em décadas) não se acostumou a isso tudo. O meu lado mineiro, do mato, fechado em osso nada fácil de roer foi aos poucos me embrenhando no zum-zum-zum daquela solenidade festiva. Assim foi que, aos poucos, fui me embebedando de conversa em conversa com um e outro, feito puta velha de velhos e novos conhecidos colegas, e até amigos, ora!

Não foi e foi ao mesmo tempo – entre um suco verde com algum tempero de manjericão, segundo o amigo garçom que logo me deu conversa à toa – uma bebedeira de conversas boas. Foi, por que sem essa ida nesse lá de dia não encontraria gente da estirpe encontrada... Mesmo.

(E no retrato da cena, eu faço aqui a minha modesta apresentação do que senti e vivi na alma embalada de suco de manjericão, porque de refrigerante eu não vou morrer mesmo).

Ora, murmurei a mim, em voz mais que alta, quando dei de cara com o velho mestre da música caipira, o afinadíssimo Tinoco, da famosa dupla que só existe agora no registrado da história. Por recato e franca timidez da minha pele, não fui lhe cumprimentar, mas imaginei o teatro:
- Sr., Desculpe-me... é... caro...não, sim, Sr. Tinoco... sou seu... sim, um fã...nático por moda sua de viola.

Pude notar que ele tentou se abaixar (por mais que a idade lhe impusesse limites) e agarrar a ideia que eu tentava lhe passar, educada e finamente, mas de forma ambígua e tímida eu também tentava me agarrar pra não deixar cair.... E aquele monstro da verdadeira música sertaneja, sorrateiramente, disfarçado de humilde senhor, eu sei, tentava me ajudar na composição do assunto que eu tentava lhe passar.
- Ó, que vexame, Sr. Tinoco! Tenho aqui uma coisa, e nem consigo jeito que o vosso do senhor possa ouvi-la, em fiel palavras, ou mesmo senti-la, em gesto correto de meu corpo insano de vergonha do seu mito.
- Mito de quê, mocinho?
- Eu sei, o senhor de mocinho, em mim, coloca esta palavra para o meu agradar e a vergonha se desorientar no ar, eu sei, Sr Tinoco...
- Rapaz, fica descansado que se de mito falar deixa de ser, e eu falo, canto e até danço, quer ver? Mito ainda vai ser...

Nisso, catei a ideia já quase batendo a boca no rés do chão e a coloquei na pluma da nossa frente, assim, na palma de nossas mãos. Então, falei de mim, me apresentei, perguntei do morto, seu irmão, e de quando vivos em, dupla, de suas músicas, seus trejeitos duetados no dobro de peitos tristes de pássaros que não eram e não são, mas possuíam. Disse-lhe da minha humilde terra, em Minas Gerais, composta de poucos morros de uma igreja no topo, e um cemitério na parte mais baixa e reta da cidade, perto de onde havia os circos, quando lá chegavam. .

Enfim enchi o ouvido do Sr, Tinoco de tanta lembrança minha, pra ele ir pegando e lembrando deles, digo, da dupla, andando e cantando em circos do Brasil todo, penso. O Sr. Tinoco não disse nada, se embargou com a voz, melindrado, eu sei, quando lhe falei da minha caixa de engraxate azul nas costas pra pagar a entrada do circo com eles dentro, cantando... Ah, “tinha uma mula preta, com sete parmos de artura”, cantarolei assim a ele, e o danado, danado comigo, não aguentou e abriu o peito e soltou-o veloz: “fizemos a úrtima viagem...”.

* Jornalista – blog: www.cronicaseg.blogspot.com

Um comentário:

  1. Cacá

    Seu texto me levou a uma viagem no tempo. Mas nem vou colocar aqui, porque vou aproveitar a deixa e escrever uma crônica...Parabéns! Sua crônica é linda!

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